De vez em quando, debruço-me no chão e espreito para debaixo da cama. Lutando por espaço por entre o pó estão as minhas caixas, cheias de ar e de coisas minhas. Tudo o que fiz, tudo o que faço, tudo o que ninguém quer ver, vai para lá. E de vez em quando, tiro-as debaixo da cama e folheio os papéis com as pontas dos dedos, e rio outra vez como quem não escreveu aquilo. E consigo mesmo ver-me, com outras lâmpadas e outros lugares, a escrever aquilo pela primeira vez. São linhas que são dias que se conjugam no passado. Depois de ler tudo volto a pô-los na ordem em que estavam, aquela como outra qualquer, e devolvo as caixas ao pó. Daqui a uns dias, as tampas de novo cobertas de pó vão ser, partícula a partícula, dias que passaram. É, afinal, o pó que segura no sítio as casas abandonadas. Nos outros dias, não penso nas caixas. Cuspo os chinelos para debaixo da cama e nem os sinto aos pontapés a elas, porque ontem só continua ontem se for lembrado assim, de vez em quando. E um dia, à tarde, cheguei a casa de mochila às costas, à parede do meu prédio estava encostada uma escada, e só vi um homem entrar pela janela do meu quarto, e uma mangueira deste tamanho.
RC(Isto por causa disto, e das coisas de Demetri Martin.)
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