Leonardo da Vinci, The Last Supper [A Última Ceia], 1495-1498.

Se tiverem uma régua e uma espécie de material riscador e muito tempo nas mãos passa-se uma tarde divertidíssima com isto. RC



Acabei agora mesmo de ver um documentário
(- Pronto que ele está tolo de vez agora é documentários qualquer dia está a aprender grego e note-se que é grego antigo e não aquela coisa que se fala por lá agora só para poder ler os clássicos no original e depois dizer que leu os clássicos no original)
em duas partes construído à volta de (e por) Stephen Fry, pessoa que estimo, actor, escritor, comediante e pessoa geralmente mais inteligente que as outras, e a sua experiência de vida como maníaco-depressivo
(prefiro usar o original até porque em traduzindo posso estar a espalhar-me ao comprido)
a sua experiência de vida como manic depressive ou, mesma coisa, pessoa com bipolarity ou bipolar disorder, que consiste, se não estiverem para ler este link extremamente jeitoso, numa variação entre estados de depressão e estados de euforia. O Stephen fala do seu caso e apresenta também vários outros casos em diferentes graus da doença, e é um dos primeiros documentários sobre doenças que eu vejo em que chego ao fim e não acho que a tenho também, o que faz dele uma coisa séria e absolutamente credível.
Deve ser por estimar especialmente o Stephen
uma daquelas pessoas Um-Dia-Eu-Hei-De-Ser-Assim
que é comovente ouvi-lo falar da sua tentativa de suicídio há mais de dez anos, chamar-se cunt
(que recordo é uma palavra pesada ligeiramente mais pesada do que coninhas)
e deliciar-se com os seus shopping sprees na Virgin de Oxford Street. Ora aqui estão duas horas de televisão que não vos ficava nada mal ver, mas que não vão ver, sendo que é televisão do estrangeiro e logo falada em estrangeiro. RC



Margarida Pinto faixa um, rearrumação de Álvaro de Campos. Apontamento. RC

A minha alma partiu-se como um vaso vazio
Caiu pela escada excessivamente abaixo
Caiu das mãos da criada descuidada
Caiu, e eu fiz-me em mais pedaços que a loiça que havia no vaso

Fiz barulho na queda
Como um vaso que se partia
E os deuses que há debruçam-se da escada
Para ver o que a criada fez de mim
Não se zanguem com ela
São tolerantes com ela

Asneira? Impossível? Sei lá
Tenho mais sensações que quando me sentia eu
Asneira? Impossível? Sei lá
Tenho mais sensações que quando me sentia eu


A minha alma partiu-se como um vaso vazio
Caiu pela escada excessivamente abaixo
E os deuses que há debruçam-se da escada
E sorriem à criada
Não se zanguem com ela
São tolerantes

A minha alma partiu-se como um vaso vazio
Caiu, partiu-se, caiu
A minha alma partiu-se como um vaso vazio
Caiu, partiu-se, caiu
Ai, o que era eu? O que era eu?
Um vazo vazio
O que era eu? O que era eu?


Alastra a escadaria atapetada de estrelas
Um caco brilha entre os astros
A minha obra? A minha alma principal? A minha vida?
E os deuses olham-na por não saber porque ficou ali

Asneira? Impossível? Sei lá
Tenho mais sensações que quando me sentia eu
Ai, o que era eu? O que era eu?
Um vazo vazio
O que era eu? O que era eu?
Ai, o que era eu? O que era eu?
Um vazo vazio
O que era eu? O que era eu?



O grande desafio porque é isso que é, um desafio, é a eterna procura de ensinar aos outros a precisarem de nós, como se só pudéssemos gostar de nós próprios tanto quanto os outros precisam de nós, é quase como um gostar de nós na terceira pessoa, como se nos fôssemos um primo afastado, como se precisássemos de nos medir através de um par de olhos que respeitamos mais que os nossos, e como se fôssemos imediatamente melhores só por esses olhos nos procurarem, até que ponto continuamos a ser nós se nos pomos atrás de outros olhos até que ponto sabemos nós que cores podemos ver-lhes também, não estaremos a fugir muito de dentro de nós, e depois quando o desafio não nos crescer mais ou nos mandarem de vez à merda, já não nos sabemos voltar, é a palavra desafio que complica tudo ou a que justifica os murros? (isto é uma grande porra é o que isto é)



E toda a gente se fechou numa espécie de círculo a partilhar o ar ainda mais do que é costume, a devolvê-lo logo para outros pulmões, e falou-se coisas bonitas. Obrigado Pedro. O cd chama-se Apontamento, o nome dizia já qualquer coisa desde uma noite no Batalha. Uma versão deliciosa da Capitão Romance dos Ornatos levou-me a encontrar pela primeira vez Margarida Pinto, mas ficou por aí. Até ontem. Obrigado Pedro. O cd chama-se Apontamento.
A música que me segurou pelo pescoço chama-se Na Véspera de Não Partir Nunca, e rouba uma série de palavras a Álvaro de Campos, que acontece ser o segundo heterónimo que eu gosto mais. Eis. RC

Na véspera de não partir (nunca)
Ao menos não há que arrumar malas
Nem que fazer planos em papel
Para o partir ainda livre no dia a seguir
Não há nada que fazer

Por isso tudo e por
Ter pensado e por
Ter chegado a nada
Grande sossego o de não ter de haver sossego
Tranquilidade a que nem sabe encolher os ombros
Grande alegria a de não ter de ser alegre Todos os dias é véspera de não partir nunca

Como uma oportunidade virada do avesso
Ah quanto tempo vivo a viver do pensamento
Que prazer olhar prás malas como olhando para nada
Que prazer olhar prás malas como para nada

Por isso tudo e por
Ter pensado e por
Ter chegado a nada
Grande sossego o de não ter de haver sossego
Tranquilidade a que nem sabe encolher os ombros
Grande alegria a de não ter de ser alegre Todos os dias é véspera de não partir nunca
Grande sossego o de não ter de haver sossego
Tranquilidade a que nem sabe encolher os ombros
Grande alegria a de não ter de ser alegre Todos os dias é véspera de não partir nunca





Foi por coisas como esta que eu lutei tanto com o texto anterior já agora obrigado por terem-no ignorado é esse mesmo o espírito. RC

Alan Partridge Chapter One. Beginnings. «Congratulations, Mrs. Partridge, it's a boy», said the doctor, handing me, a boy, to my mothe--, I had just been born.
in I'm Alan Partridge, Anglian Lives.



um, Encomendaram-me, sob pena de reprovar se dissesse que não, uma biografia de duas páginas em tamanho de letra doze e com formatação de espaço e meio,
dois, Esquivei-me a fazer frases como
- Nasci e depois cresci e entretanto continuo a crescer
usando uma série de processos muito giros mais que ninguém vai perceber, porque decidi escrever a minha biografia na terceira pessoa através de um narrador em primeira pessoa e assim transfiro para o Ele o que penso de mim e para o Eu o que acho que pensam de mim,
três, Acabei agora mesmo de explicar esses processos muito giros que usei,
quatro, Para seja o que for que tenha vida, só há dois verbos, o nascer e o morrer,
e
cinco, Não usei parágrafos porque a vida não tem disso.


AUTOBIOGRAFIA DELE,
(escrita assim porque estou a ler o que estou a ler)

Um dia ainda nem era bem dia sequer, as horas se vinham umas a seguir às outras era mais por força do hábito que dos relógios, da matemática hipnótica e muscular dos relógios, e os berros metálicos do telefone abanaram-me na cama, desdobraram-se pelos cantos, e bateram-me duas vezes nas costas, Preciso-te, disse alguém, Atende vamos lá, disse uma voz que se ia montando de corpo e de cara, Sou eu preciso-te, disse ele, ele tem esta mania incomodativa de usar nas palavras as suas próprias regras, as suas próprias leis de as pôr como as quer só porque lhes tem mão, Preciso-te, esta irritação pequenina de fazer isto aos verbos, de os fazer coisas dele, como se Preciso de ti fosse aquele esperanto soluçado que os putos falam no recreio e que com a idade deve ser desistido e enterrado debaixo da cama junto dos monstros e dos bonecos de trapos e dos tijolos de Legos, Preciso-te, repetiu, cansou-se, Acorda lá e liga-me, e despejou-me nos ouvidos o ar resignado de um pulmão como um ponto final. Quando o vi pela última vez, ancorado como se para sempre ao fundo de uma cadeira, a inspirar e a expirar pesadamente, à vez, o ar que agarrava com força nas mãos, disse que estava coberto, e sublinhou com uma pausa, de pó. Aquele pó, disse ele, que se acumula nas estantes, em cima dos livros, que espalha pelas coisas que temos uma camada de tempo, sabes?, perguntou-me, O pó é a única prova que temos de que há tempo, e de que ele passa, costumava dizer. Nunca soube dizer muito bem o que é que ele faz, Mas ele vive de quê? eu nunca o ouvi falar, dizem-me, Tu sabes se ele fala já o ouviste?, perguntam-me, e eu digo sempre que é Qualquer coisa que envolve canetas, que é qualquer coisa que envolve palavras, que sempre que o vejo está a ler qualquer coisa ou a escrever qualquer coisa, num gesto de uma reverência secreta de microfilme, escondendo o mundo do papel, com os ombros, como se estivesse a criar a sua própria língua do seu próprio país, com fronteiras de capa e contracapa e com planos de revolução escrevinhados ao canto de uma página. Encontrei-o, debruçado sobre uma caneta. Queria, disse ele, que o escrevesse, que lhe pediram que o fizesse e que não conseguia, É que repara, disse ele, Eu já não tenho idade e ainda não tenho idade para estar a escrever sobre mim, por isso escreve sem olhar para trás, disse ele, sem pensar muito, ehpá, pega no que te vier à cabeça e atira para a folha, nada de muito giro, nada de elogios, só uma palavra simpática de vez em quando para enganar os gajos, pausa, que ninguém me conhece muito bem e nem eu próprio às vezes me reconheço na rua, pausa, conheço esta cara de algum lado e não sei de onde, e só depois é que me lembro que é do espelho das manhãs e da parte de trás das colheres, e dos elevadores, mas nunca sei muito bem o que me dizer, e não digo, e aí calou-se, passou-me a caneta para a mão, e disse-me que procurasse por ele. É muito mais fácil, diz ele, quando são os outros a falar de nós, principalmente, riso nos olhos, quando lhes escrevemos as palavras para dizer. A vantagem do teatro em relação à vida, diz ele também, é que lá as pessoas sentam-se para nos ver, e na rua ninguém nos liga nenhuma, às vezes cumprimentam-nos com uma pancada de ombro, olham-nos, e ficamos dois segundos a tentar decidir de quem é a culpa, e a que horas é que está em casa para eu lha poder ir entregar, e nunca é de ninguém. Talvez seja isso que as palavras dele são, acho eu, uma ordem de vida que possa ser seguida, e se não para ele, para alguém. Andou durante meses, e continua, parece-me, a tentar escrever um personagem que comece o seu teatro como dizia ele que ele deve ser começado, sem barulhinhos, sem merdices e sem elencos, Elenco é uma palavra grande, dizia ele, e falsa, as vidas têm números pequenos, e o que ele procura, parece-me, é uma certa ideia romântica de um D. Sebastião à espera de si próprio, a procurar-se todas as manhãs de novo atrás das esquinas do nevoeiro. Fala ele, acho eu, de uma certa inquietação infantil, de um ser Quase manhã de natal quando é verão, e de ser Quase a palavra que dá propósito a tudo, e que vê sempre longe. E quando me sento de caneta na mão não acho que ele tenha encontrado já o seu timbre, mas acredito no Quase, e vejo nele um dedo apontado. Então, perguntou ele, quando era já manhã outra vez, O que é que eu sou?, que palavras é que eu sou?, eu disse, Não faço ideia, e ele calou-se, e quando reparou que continuava calado desligou sem dizer nada. RC



Depois de uma extravagância em francês,
- Tá tolo livros em francês só o facto de serem em francês já é coisa para perturbar uma pessoa,
decidi ler em português
(- Tá tolo livros em português a verdade é que só o facto de serem livros já é coisa para perturbar uma pessoa)
e fui então ler um livro que já me espreitava há uns tempos e, para usar uma frase de 1977,
- Em boa hora o fiz.

Nome: O que diz Molero
Autor: Dinis Machado
Formato: 182 páginas
Dimensões (em centímetros): 1 x 18,9 x 11,9
Data de publicação: Maio, 2003 (1ª ed., 1977)
Assuntos relacionados: Viagem, Procura, Sonhos, Ideias.
Descrição: Um longo poema de estar sempre há procura do sítio para onde vamos depois deste para onde vamos agora.
Tipos de letra: ?
Primeira frase do livro: «Teve uma infância estranha», disse Austin.
Última frase do livro: «Ele que comece onde Molero acabou».
Dedicatória: À minha família e aos meus amigos

É preciso, segundo Molero segundo o rapaz, ir muitas vezes ver o dia nascer na Praia de Pensar Nisso. RC



Havia um revólver sobre a onda, uma jarra sobre a cinza, um espaço vazio sobre as mãos e a memória de candeeiros matinais, os que foram visitados pelas andorinhas na quinta estação do ano. Entretanto, tudo se desencadeava, helicópteros poisavam nos teus cabelos (alguém disse que era assim que se levantava o vento), partiam barcos carregados de bilhetes-postais, um nadador da Mancha morria afogado numa gota de água doce, despertava em nós este rumor de conchas envergonhadas, esquecidas como cotão no bolso das calças. E de cada vez que um homem caía, morto ou cansado, tu falavas da onda sobre o revólver, limpavas a cinza da jarra e modelavas a noite que faltava aos candeeiros. Alguém falou de tristeza, os poetas brasileiros vieram muito devagar (Manuel Bandeira giróflé, Drummond de Andrade giróflá, Cecília giróflé, flé, flá) e quando nasceu a madrugada a praia estava no mesmo sítio, simplesmente a areia era lilás, porque a tua cor é ser lilás dentro das coisas, tão natural como o estrondo dos canhões, as crianças tactearem palavras e Maio emaranhar-se de flores, tão natural como as pedras tropeçarem nas pessoas, o revólver matar a onda e eu estar aqui à tua espera como um cego espera os olhos que encomendou pelo correio.




Jasper Johns, Untitled (Summer) [Sem título (Verão)], 1985.

Ainda hoje passei a tarde a inventar sobre este quadro. E inventei de tal maneira que cheguei a usar palavras como 'progressão' e 'declínio'. RC



alfa e ómega, deus e boneco de trapos. [Do mesmo livro do mesmo autor.]



«Ele tinha um tio napolitano», disse Austin, «que além de cantar, tentava acertar num escarrador, cuspindo de alguns metros de distância. Quase nunca acertava, e era a tia que limpava o chão em volta do escarrador». «É o destino do género humano», disse Mister DeLuxe. «O quê?», perguntou Austin. «Quase nunca acertar», disse Mister DeLuxe.

O livro que ando a ler chama-se O que diz Molero, de Dinis Machado.



[- Pronto
(dizem vocês),
que ele agora não pára.]

Li-o em menos de três dias. E em francês, hein?, note-se o prestígio.
Este livro é assustadoramente perverso. Durante toda a primeira parte, o personagem, Meursault, era sublimemente chato
(não chato annoying,
é mais aborrecido,
mas não aborrecido annoyed,
aborrecido boring)
e lê-lo era quase um sofrimento, mas um sofrimento acidente à beira da estrada, daqueles que não há meio,
não dá para parar, não se consegue. Depois
na segunda parte,
a minha relação com ele mudou: só quando ele mata o outro sujeito é que eu consigo ter alguma simpatia por ele.
Perverso. RC

Nome: L'Étranger
Autor: Albert Camus
Formato: 186 páginas
Dimensões (em centímetros): 1,2 x 17,7 x 10,8
Data de publicação: Dezembro, 2003 (1ª ed., 1942)
Assuntos relacionados: Indiferença, Desesperança, Vazio, Morte, Moral, Liberdade, Culpa, Deus.
Descrição: Quando a campaínha soou outra vez, e a porta se abriu, foi o silêncio da sala que se lançou sobre mim, o silêncio, e esta sensação única que tive quando vi que o jovem jornalista tinha desviado os olhos. Não olhei sequer para o lado de Marie. Não tive tempo porque o juiz me disse de uma forma bizarra que a minha cabeça me seria cortada em praça pública em nome do povo francês. [trad. livre]
Tipos de letra: ?
Primeira frase do livro: Aujourd'hui, maman est morte.
Última frase do livro: Pour que tout sois consommé, pour que je me sente moins seul, il me restair à souhaiter qu'il y air beaucoup de spectateurs le jour de mon exécution et qu'ils m'accueillent avec des cris de haine.
Dedicatória: Não

Même sur un banc d'accusé, il est toujours intéressant d'entendre parler de soi.



Secção 67: Pessoas que admiro com óculos geniais,
Parabéns Jarvs. RC >>




Nicolas de Staël, Figures au bord de la mer [Figuras à beira-mar], 1952

Da capa do livro que estou a ler. Se não traduzi o título do quadro em condições, então ler o livro vai ser complicado. RC



[Para quem não sabe,
para quem os livros são objectos estranhos,
que se têm de segurar nas mãos para se poderem ler.]
Este deu uma certa dose de luta. Aquela dose extra de luta que dá um adversário que não conhecemos, e cujos murros não sabemos onde estão, nem de onde vêm, nem quando.
Mas chego-lhe ao fim para lhe voltar daqui a uns meses. RC

Most of the time, then, I was under a delusion. In truth you've never shared. You've been incapable. So I've been up the garden. I resent it. I thought there might have been at times a sharing, a meeting. I was wrong. And you knew it, always.
(...)


Nome: The Dwarfs
Autor: Harold Pinter
Formato: 183 páginas
Dimensões (em centímetros): 1,5 x 19,7 x 12,5
Data de publicação: 26 de Outubro, 1992
Assuntos relacionados: Amizade, Amor, Traição, Equilíbrio
Descrição: O frágil equilíbrio de um trio de amigos é abalado quando um deles, Pete, se apaixona por Virginia.
Tipos de letra: ?
Primeira frase do livro: Just before midnight they went to the flat.
Última frase do livro: There is a flower.
Dedicatória: To Judy Daish

Of course all I have to do to destroy you is to leave you



Este encontrei-o atrás de muito pó, transcrevi-o, traduzi-o, e digo-o agora.

Devo ter vivido muito tempo no cimo de uma montanha
sentado num monte de gelo
porque anteontem desci e doeram-me os pulmões
doeram-me de fole
tocaram-me na pele
fecharam-se outra vez
e voltaram a doer,
fechei os olhos à luz da neve e cheirei os pulmões cheios
parei-os
vazei-os
pensei cada diafragma e segurei-o na mão,
o corpo agora era-me todo
era-me cheio, e doía-me de calma,
doía-me de o sentir outra vez na ponta dos dedos
de o sentir outra vez sangue
de o sentir outra vez ar,
abri os olhos ao sol em volta
tinha-lhes força
tinha-lhes vida
e sorri-os
e sorri os pulmões cheios,
frios pelo ar que aprendi a viver sem como não sei,
mas que preciso.


(versão de RC, para ti)



Este blog está assustadoramente a tornar-se num bastião de bom gosto,
senão vejamos: de todos os posts que dão as boas vindas a quem aqui tropeça,
quatro são sobre boa música,
cinco sobre bons livros,
um sobre a arte de bem fazer prédios e mais um sobre a arte de bem ser paul klee,
(e só dois que são recados para pessoas disfarçados de frases).
E por dizer tanta coisa, as horas de genial televisão, que levam às horas de sublime teatro acordado às tantas da noite entre gritos de escuro, e as horas de cinema, e de luz
e as horas de rua, de gente, de cinzento, de cafés,
de passeios desenhados a pedra e de pés sem pensar,
e só falta aqui, para a vida ser tudo, uma coisa.
Afinal são três recados, e dois deles para o mesmo. RC





Fazendo-se já ao piso para um disco a solo que nos deverá chegar para o ano que vem, Jarvis Cocker, vocalista dos Pulp e pessoa de inegável estilo, pôs já na sua página Myspace uma violenta musiqueta docemente cantada, que já se chamou 'Cunts Are Still Running the World' mas que, porque existem ainda uma série de pessoas no mundo com muitos problemas*, se chama agora só 'Running the World'.
Na página estão também duas viagem à cabeça do Jarvis, em forma de podcast.
Para quem não conhece. RC

*N.T.: E vá, porque Cunts é uma palavra um bocadinho pesada.



zero, The Dwarfs, escrito e reescrito por Harold Pinter:

um, For me, you see, I don't grow old. I change. I don't die. I change again. I am not happy. I change. Nor unhappy.

dois, The trouble, the real trouble is, though, that I cannot convince myself that I'm not spiritually dead. Quite frankly, the evidence is overwhelming, if to be dead in such a way means the ability only to communicate with the past, the unability to communicate with the present.

três, The art of dealing with others is one, to be able to see through them, and two, to keep your trap shut. If you've got kop enough for the first and control enough for the second you're a made man. (RC)



NOTA, A partir de aqui impõe-se, por teimosia, sempre uma história de vida dos livros que se vão fechando, como o Jonathan as faz:

Nome: Iron Potassium Nickel
Autor: Primo Levi
Formato: 56 páginas
Dimensões (em centímetros): 0,4 x 18 x 11,1
Data de publicação: 6 de Maio, 2005, (Excertos de The Periodic Table, de 1975)
Assuntos relacionados: Química, Itália, II Guerra Mundial, Anti-Semitismo
Descrição: Estas três histórias descrevem o treino de Levi enquanto químico numa Turim em tempo de guerra e sob a sombra de um crescente anti-semitismo.
Tipos de letra: Monotype Dante
Primeira frase do livro: Night lay beyond the walls of the Chemical Institute, the night of Europe: Chamberlain had returned from Munich duped, Hitler had marched into Prague without firing a shot, Franco had subdued Barcelona and was ensconced in Madrid.
Última frase do livro: The fascination of buried wealth, of two kilos of a noble silvery metal bound to a thousand kilos of sterile stone which is thrown away, has not yet died out.
Dedicatória: Não


roubo

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(copiado a Pedro Mexia),

Tem sempre graça, elegância e inteligência. Entende tudo e comenta tudo. Alterna as alusões subtis e as ironias infalíveis. Tanto se entrega a uma distância quase aristocrática como cede a uma compaixão comovida.

Há tão pouca gente assim que não me lembro de mais nenhuma.

E chega de elogios a Neil Hannon. PM



Seja onde for, Álvaro Siza desenha sempre a traços de luz.
O Pavilhão de Exposições nos Jardins Públicos de Anyang, na Coreia do Sul, é uma das últimas obras de Siza, e tudo o que é teutónico nos riscos de Siza fica para trás, e tudo continua lá. RC






(fotografias de Fernando Guerra, via A Barriga).



I want an infinitely long book and forever.

Ninguém sabe nada sobre a vida nem sobre o amor sem ter lido Foer.
Mais uma vez, insisto, leiam o primeiro capítulo, aqui, façam um esforço, lutem com as palavras se preciso for, porque vale tudo, e se depois não tiverem uma sensação de urgência, de sobretudo físico, de ir ler o resto do livro, é porque são más pessoas. Aqui não se trata de gostos de leitura. Trata-se de viver.

I want an infinitely long book and the rest of time. RC



you can't love anything more than something you miss. JSF, emprestada.



[in Extremely Loud and Incredibly Close, by Jonathan Safran Foer],

The next time I heard his voice was when I came home from school the next day. We were let out early, because of what happened. I wasn't even a little bit panicky, because both Mom and Dad worked in Midtown, and Grandma didn't work, obviously, so everyone I loved was safe.
I know that it was 10:18 when I got home, because I look at my watch a lot. The apartment was so empty and so quiet. As I walked to the kitchen, I invented a lever that could be on the front door, which would trigger a huge spoked wheel in the living room to turn against metal teeth that world hang down from the ceiling, so that it would play beautiful music, like maybe "Fixing a Hole" or "I Don't Want to Tell You", and the apartment would be one huge music box.
After I petted Buckminster for a few seconds, to show him I loved him, I checked the phone messages. I didn't have a cell phone yet, and when we were leaving school, Toothpaste told me he'd call to let me know whether I was going to watch him attempt skateboarding tricks in the park, or if we were going to go look at Playboy magazines in the drugstore with the aisles where no one can see what you're looking at, which I didn't feel like doing, but still.

Message one. Tuesday, 8:52 A.M. Is anybody there? Hello? It's Dad. If you're there, pick up. I just tried the office, but no one was picking up. Listen, something's happened. I'm OK. They're telling us to stay where we are and wait for the firemen. I'm sure it's fine. I'll give you another call when I have a better idea of what's going on. Just wanted to let you know that I'm OK, and not to worry. I'll call again soon.

There were four more messages from him: one at 9:12, one at 9:31, one at 9:46 and one at 10:04. I listened to then, and listened to them again, and then before I had time to figure out what to do, or even what to think or feel, the phone started ringing.
It was 10:22:27.
I looked at the caller ID and saw that it was him.



Sopro o ar de dois pulmões com os olhos revirados para confirmar que
- Ora bolas
e que
- Isto há coisas que realmente
e sopro o ar de outros dois pulmões
o esquerdo e o direito
para confirmar que é de facto uma maçada ter de ir a londres outra vez. RC




Paul Klee, Remembrance of a Garden [Relembrança de um Jardim], 1914. RC

We need to live in a state of suspended animation, like a work of art. In a state of enchantment. Detached. Detached. ...



Pequena escolha de música para continuar a não conseguir dormir, porque nos mexe e não nos deixa,

Commuter Love, The Divine Comedy
+
Leaving Today, The Divine Comedy
+
In the Wee Small Hours of the Morning, Jamie Cullum
+
The Certainty of Chance, The Divine Comedy
+
Here Comes the Flood, The Divine Comedy
+
Charmed Life, The Divine Comedy,

mas para ouvir de olhos fechados, de força fechados, para não ver a luz que a noite não tem. RC



Para outra pessoa.

O único tempo que passo hoje em dia a pensar em ti é para tentar perceber porque me deixaste de fazer falta tão depressa.
E porque sei a resposta, penso em ti muito pouco. RC



Tudo o que me és é mais do que devia. RC

ADDENDUM, in the wee small hours of the morning, Existes em comprimidos?



Garth Marenghi I'm one of the few people you'll ever meet that have written more books than they've read.
in Garth Marenghi's Darkplace, episode one.



Garth Marenghi There are rebels, and there are innovators. I'm a rebel. I play a rebel brain expert who's in rebelliance against conventional logic, who's in rebelliance against the world order. The show is about, rebelliance. And if that's not being an innovator, I don't know what is.
in Garth Marenghi's Darkplace, episode two.






Richard Ayoade em 2004: The Stupid Version e em Time Trumpet, escritos por Armando Iannucci. Último episódio hoje. RC





Vamos fazer as contas.
Programas escritos por Chris Morris: II
Programas em que Chris Morris só representa: II
Programas em que Chris Morris só representa escritos por Graham Linehan: I
Programas escritos por Graham Linehan: III
Programas escritos por Rebecca Front: I
Programas com Rebecca Front: II
Programas escritos por e com Patrick Marber: II
Programas escritos por e com Steve Coogan: IIII
(Programas com Stephen Mangan: I)
Programas com Matthew Holness: III
Programas escritos por Matthew Holness: I
Programas escritos por Matthew Holness e por Richard Ayoade: I
Programas com Richard Ayoade: IIII
Programas em que Richard Ayoade só representa: III
Programas em que Richard Ayoade só representa escritos por Graham Linehan: I
Programas escritos por Richard Ayoade: I
Programas realizados por Richard Ayoade: I
Programas escritos e produzidos por Armando Iannucci: IIII II.
Ah,
Programas cujo primeiro episódio da terceira season estreou ontem nos States e que vou ver mais logo à noitinha: I
Programas desse grupo em que o grande Hugh Laurie só representa: I. RC



Resposta a um desafio, às quase quatro da manhã de uma noite sem sono, com o corpo a doer e a querer sair pelos olhos, e com novas regras, porque este texto não sou eu, é um eu melhor do que eu, e porque já não tenho e ainda não tenho idade para escrever sobre mim.

um, Sou tudo o que tu queres ser e não és, mas em melhor ainda.
Muito inteligentemente sou de todas as pessoas, mas só bocados,
e sou-me só mais do que com gente,
a passear de mansinho aos tropeções na noite dos telhados
com a lua nos olhos e um Só miado baixinho,
entre as letras e as folhas do mato que não me pede autorização para crescer
do lado de fora.
Muito inteligentemente não sabes de mim, perguntas-te quem sou, mas não te respondes,
nem te respondem as minhas mãos nem os meus gestos.

dois, Sou-te perfeito, acabado,
sou-te projecto por fim passado a tinta,
sou-te objectivo, revisto sempre às horas mais longas e mais frias,
sou-te livro perdido e reencontrado numa estante.
Sou-te
- Tudo
e não sei.

três, Digo sempre a coisa certa na altura certa,
- Dizem que é amanhã que nasce o puto
disseste-me, já há mais de um ano no dia antes de ser natal
- É teu?
perguntaste-me, e eu disse
- Só vou saber depois
e disse
- Se for, queres ser o padrinho?
e tu sorriste, leste entre as letras como o costume e sorriste,
mais do que devias.

quatro, Várias vezes te disse que
- Estou aqui
quando perguntaste por mim, várias vezes te emprestei o mesmo
- Estou aqui
que me pedias, quando perguntavas por mim.
Não sei porquê devo ser calma, devo parecê-la sempre
porque mo pedias sempre a mim,
e porque me cansei de to dar, todos os dias, e um dia deixei.

cinco, Sei sempre o que dizer,
não te conheço mas sei sempre o que me queres ouvir,
porque te conheço que chegue.
És pequeno,
perdes-te nos outros que são mais que tu, que são qualquer coisa mais,
que estão mais perto de ser fim e de ser pronto.
Por isso olhas-me com medo, com respeito, com a reverência de quem olha para uma estátua,
para alguém que sabe-se lá porquê mereceu viver em bronze,
ou morrer em bronze,
ou em pedra.

seis, Digo sempre o que queres quando o queres,
porque não sei dizer
- Não,
por alguma razão nunca te neguei nada, nunca te disse
- Não
porque não preciso, porque me calo e te faço nada,
e deixas de ser, pelo medo que me tens, porque temes perder-me,
outra vez, de vez,
e porque sabes que já me perdeste.

E dizes tu que pensamos igual,
que somos igual,
que trocamos de voz quando queremos,
e que somos uma cabeça, só, em dois lugares.
E vais dizendo isso, porque não o digo eu, porque não o acho, e porque entretanto me calo
e quando me calo e te faço nada
tu fazes-te ainda menos, porque eu não estou
e não te digo
- Estou aqui. RC



E do céu desceram quatro pares de mãos,



e uma horda de anjos,



porque está quase tudo pronto para o dia santo.
E começa hoje, lá na terra dele, a terceira season de HOUSE, MD. RC





De vez em quando chega alguém que me dá ainda mais vontade de ser tolinho, porque esse alguém o é e é-o com qualidade.
Um-Dia-Eu-Hei-De-Ser-Assim. RC




Paul Klee, Der Komiker [Comediante], 1904. RC



- Ok, onde é que está o frasco?
O que não vos ficava nada mal era começarem a desenvolver uma consciência artística, e para isso é preciso saber do que é que se gosta e do que é que não se gosta.
Uma unidade de arte* todos os dias.


Salvador Dalí, El Gran Masturbador [O Grande Masturbador], 1929.

[O nome deste novo apartado foi vergonhosamente roubado a um programa da BBC Radio 4 cuja terceira série acabou esta semana.

*Por unidade de arte entenda-se uma coisa que, em museus, está rodeada de pessoas por todos os lados, menos por um se for um quadro.] RC




El Greco, La Anunciación [A Anunciação], 1596-1600.

Mais da colecção do Prado lá. RC




Paul Klee, Drehbares Haus [A Casa Giratória], 1921.

Mais da colecção do Thyssen-Bornemisza aqui. RC




Pablo Picasso, Massacre en Corée [Massacre na Coreia], 1951.

Mais da colecção do Reina Sofia aqui. RC



Há dias bons, mas depois há dias tão bons que até chateia. Daqui a uns anos, quando estivermos a escrever a história da televisão, vamos todos olhar para trás e dizer
- Olha
e alguém vai olhar para nós
- Lembras-te do dia em que estrearam dois dos melhores programas de televisão de todos os tempos?
e esse alguém vai responder
- O quê?, referes-te à segunda série do Extras e ao novíssimo That Mitchell and Webb Look?
e nós vamos dizer que sim, nem que seja só com a cabeça.
Já várias vezes disse por aqui abaixo que Ricky Gervais e Stephen Merchant pertencem àquele delicioso se bem que um bocadinho irritante grupo das Pessoas-Que-Fazem-Tudo-Bem. A primeira série do Extras chegou-nos no verão passado, e conseguiu dar às pessoas razões para não continuarem a chorar-se pelo The Office. Os rapazes continuam a escrever melhor do que qualquer pessoa, e vem aí mais.
Outra coisa que eu já várias vezes disse por aqui abaixo é que David Mitchell e Robert Webb são, de facto, Deus. São dois dos mais estimulantes writers slash performers de todos os tempos, participam ou participaram em muitas das melhores séries dos últimos anos, e escreveram para a rádio um skecth show sem manchas chamado That Mitchell and Webb Sound. Agora, vão fazer mais do mesmo para a televisão.
BBC Two, That Mitchell and Webb Look, 9.30pm; Extras, 10pm,
- Mas é óbvio que me lembro
vai dizer alguém
- Catorze de setembro de dois mil e seis. RC


Hoje


01|dezembro|2006

The many faces of robert webb.
Isso do ricardinho acabou.

(Rufus Wainwright | Rules and Regulations
> from Release the Stars)



A ler Frost de Thomas Bernhard e ouvir e a ver coisas que se fôssemos aqui a pô-las todas havíamos de chegar atrasados a sítios onde temos horas para chegar.

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