(Não consigo encontrar o meu tabaco, sei que o deixei algures, está sempre a acontecer-me isto, vou a qualquer sítio, pego noutra coisa qualquer e onde passa a estar outra coisa qualquer estava um maço de tabaco que eu deixo invariavelmente pousado seja onde for, onde raio o deixei desta vez, já procurei em todos os bolsos do casaco e em todos os bolsos das calças, já procurei outra vez em todos os bolsos do casaco, os de dentro e os de fora, e em todos os bolsos das calças, isto como se um maço de tabaco coubesse subtilmente num bolso das calças sem parecer em escroto torcido em forma de tijolo, no casaco também não está, quero lá saber agora das chaves do carro e das chaves de casa, se calhar ficou no carro, se calhar deixei-o em casa, quero lá saber agora do troco do café que trago no bolso, se calhar deixei-o ao balcão do café, quero lá saber se me sinto imbecil a remexer nos bolsos, sinto-me por acaso um bocadinho estúpido a ir pela rua a procurar novos bolsos onde nunca estiveram e um maço de tabaco que não sei onde existe, se é que continua a existir, passou agora por mim uma sujeita a fumar mas tinha cara de fumar dos fraquinhos, dos que fazem menos mal, tinha cara de fumar dos que fazem quase bem, dos que são vida em forma de tubo, menos mal é uma expressão tão anormal que nada gramaticalmente lhe serve, mas onde raio pus o tabaco, eu sei que ainda hoje de manhã fumei, a roupa cheira-me a fumo, a roupa cheira-me a fumo e a boca cheira-me a fumo, no bolso onde está a carteira não está, não está no bolso do telefone, vamos lá usar de método para tentar resolver isto, ora vejamos, quando foi a última vez que fumei hoje, foi concerteza de manhã, isso sim, mas quando, quando, não consigo, não me lembro da última vez que fumei, é o mesmo que perguntar quando foi a última vez que respirei ou quando foi a última vez que tossi, ou usei esta gravata, ou quando comprei o último maço de tabaco, espera aí este troco, isto é troco de tabaco, deixei-o às tantas onde o fui comprar, fui comprá-lo e não o trouxe, deixei-o lá, não era a primeira vez e não há-de ser a última, passou por mim agora alguém que fuma dos meus, disso tenho a certeza, fecho os olhos e respiro com um bocadinho mais de forma e tenho a certeza, não cheguei a ver quem era mas era concerteza feliz, porque raio não sei eu do meu tabaco, terei algum bolso furado que me tenha atirado o tabaco para os fundos do forro do casaco, olha um imbecil qualquer a espremer o forro do casaco do outro lado da rua, de que andará ele à procura, possivelmente das chaves, ou da carteira, provavelmente tem um buraco num bolso qualquer e alguma coisa lhe terá caído, deve ter sido isso quase de certeza, quase de certeza que foi isso porque o homem lá anda e lá continua a debruçar-se sobre o fundo do casaco, não está aqui, estão para aqui coisas pequenas, não consigo perceber o que são, são moedas talvez, paro de andar e encosto-me a uma parede qualquer, são moedas são, qual dos bolsos é que me está a mandar moedas para o forro do casaco, e mais, mais moedas, isto começa a ser parvo, qualquer dia desfaço o casaco e vou jantar fora a um sítio onde acidentalmente me flamejem esta gravata, ou vou despejar o casaco numa caixa de esmolas, tabaco é que não aparece, preciso dele e não há meio de aparecer, estou a chegar ao desespero que me levaria a atravessar a rua e ir comprar outro, mas calma, vamos ter calma, encosto-me, vamos pensar mais um pouco, vamos pensar no maço de tabaco, deixou de escarafunchar no casaco e continua apoiado numa parede, o homem, ainda não consegui perceber o que procura ele, possivelmente o telemóvel, o autocarro é que não aparece, que horas são isto que o autocarro não aparece, é uma menos vinte e cinco, possivelmente é do relógio que anda à procura, não, isso seria estúpido, tem cara de executivo ou de dono de uma empresa qualquer, tem cara de mexer em dinheiro, o homem, as pessoas que passam a vida a mexer em dinheiro enchem-se de rugas nos cantos da boca, estou de baixa, o autocarro não chega e eu estou de baixa, entope-se-me qualquer coisa no cérebro, caio no chão, e quando acordo estou já de baixa, e estou de baixa até me dizerem que já não estou, vou ver se calha de ser hoje, o médico disse-me que podia ser hoje, por isso vou ver se é hoje, e o homem continua ali, encostado, e o autocarro, uma menos vinte e dois, é que não chega, não sei o que se passa, não sei onde o deixei, não consigo lembrar-me, sei que quando saí para almoçar o trazia na mão, que horas são isto, quase uma, sei que saí era meio-dia e trazia-o na mão, entretanto almocei e agora não sei onde o deixei, agora é parvo voltar tudo para trás para o tentar encontrar, alguém já o guardou ou às tantas alguém já o fumou, aos dois cigarros que lhe restavam, tenho de ir comprar outro, não há mais nada a fazer, vou atravessar a rua e vou comprar outro, desencosto-me da parede, vou comprar outro, continuo a convencer-me disto e a dizê-lo baixinho porque me parece imbecil não continuar à procura, dois cigarros são dois cigarros e sempre são dez minutos da minha vida em que posso ser feliz, desencostou-se e voltou a encostar-se, o homem, não deve saber o que quer, provavelmente nem sequer sabe onde está porque as pessoas perdem-se nos bolsos e quando levantam a cabeça nem sabem já onde estão, espreitei para o fundo da rua e o autocarro continua a não aparecer, leva já ora uma menos vinte leva já dez minutos de atraso e a minha consulta é à uma e não é perto, é à uma e não é em vinte minutos que me ponho lá, enervo-me, outras pessoas que esperam enervam-se, começam a fumar, entope-me o cérebro e deixo de fumar, perguntou-me o médico na última consulta quantos fumava eu por dia, digo eu ao médico que um maço, às vezes dois, isto porque digo-lhe eu antes que de repente deixou de me apetecer fumar, e pergunta-me ele aquilo, e respondo-lhe eu, e ele próprio nem sabe o que me há-de dizer porque deve ser coisa que eles não estudam lá na escola de se fazerem médicos, e pergunta-me ele mas nem vontade lhe dá e eu digo que não, que quando acordei e já estava de baixa perguntei pelos meus filhos e depois perguntei pela minha mulher e quando chegou a vez de perguntar pelos meus charutos diz a minha mulher que nem sabia o que achar, que chamou o médico que estava de plantão e lhe disse que alguma coisa deve ter ficado mal, que lhe visse o marido e que lhe dissesse tudo fosse o que fosse, mas o dito médico diz-lhe que não lhe parece que nada esteja mal, e daí estar-lhe eu a perguntar agora porque entretanto esperei que a vontade me voltasse e não voltou, e entretanto pode ser hoje que me levantam a baixa e ainda não me dá para isso, não sei, não sei onde os pus, definitivamente, vou ter de ir comprar um maço, vou comprar dois, vou comprar um e vou comprar outro para quando perder o um, e vice-versa, e quem é que se fica a rir agora, quem é, sou eu, obviamente que sou eu, pronto, desencostou-se da parede, o homem, e atravessa a rua cheio de certeza nos pés, onde vai ele, vai à tabacaria, pronto, era do tabaco que ele andava à procura, e olha a mim não me dá para isso, entope-me o cérebro e não me dá para isso, calha bem o imbecil ser o tabaco que lhe falta, e calha bem chegar o autocarro, uma menos um quarto, nunca mais me ponho lá a tempo, nunca mais volto a perder o tabaco, nunca mais. RC)





( ----Februar.07: Deutsch in einem Monat )

As frases mais giras de hoje:

Sie muss die Fahrkarte stempeln.
Ela tem de obliterar o bilhete.

Hier darf man nicht rauchen.
Aqui, fumar, não.

Das Auto fährt gegen den Baum.
A viatura está aqui está enfiada na árvore.

Wie reisen ohne Geld um die Weld.
Monetariamente tesos damos a volta ao mundo. RC




[Sabina]

Kundera não gosta de mim. RC





[a vontade de ser espanhol]

uma máquina que transformasse portugueses em
espanhóis, impecável, infalível, perfeita, eles
entrando por um lado pálidos e mirrados, saindo
do outro corados, estendidos de narizes proeminentes e
orgulho. uma máquina que fosse tão esperta que,
no momento de decidir cada coisa, preterisse sempre
portugal e trouxesse ao de cima o esplendor do país
vizinho. era pegar nessa máquina, saber quem a inventou
e fazer-lhe amor pelo cu até que desfalecesse extenuado.
enviar relatório detalhado para todo o mundo, alardiar
a satisfação de quem, nem que seja por casmurrice,
espera por sebastião

[in HUGO MÃE, valter - Pornografia Erudita. Maia : Cosmorama, 2007.]




[Via fhf.]



( ----Februar.07: Deutsch in einem Monat )

Usem-se estes dois primeiros dias para entulhar na cabeça os verbos de viver no mundo
sein
haben
wohnen
kommen
essen
trinken
mögen möchten

já que toda a gente é coisas e tem coisas, e toda a gente come e toda a gente bebe, e toda a gente chega ao fim do dia e mora num sítio, e no fundo no fundo, se lhes perguntassem, toda a gente gostaria de uma coisa ou outra
(mas gostaria em termos, no condicional, que é como as pessoas bem educadas gostam das coisas)
e já que perguntaram eu gostaria de isto assim e assim.

Use-se hoje
heute
para poesia
Gedichte
de Bernhard: chama-se O dia dos fantasmas
Der Tag der Gesichter
e começa assim:

Morgen ist der Tag der Gesichter. Sie wierden
sich erheben wie Staub
und in Gelächter ausbrechen.

(Amanhã é o dia dos fantasmas. Vão
erguer-se como pó
e desatar às gargalhadas.) RC



BECKETT, Samuel - The Complete Short Prose, 1929-1989. New York : Grove Press, 1995. €16,95

I associate, rightly or wrongly, my marriage with the death of my father, in time. That other links exist, on other levels, between these two affairs, is not impossible. I have enough trouble as it is in trying to say what I think I know. (...) [in First Love, p25]







( ----Februar.07: Deutsch in einem Monat )

(Deutschtest - Sommerkurs 1999 - 28.07.99)

Beschreiben Sie bitte Ihre Person!
(Name, Wohnort, Herkunft, Beruf, Alter, Familienstand)


Ich heiße Ricardo Couto. Ich wohne in Ermesinde, aber ich komme aus Porto. Ich bin schüler von Beruf. Ich bin dreizehn Jahre alt und ich bin ledig. RC




[Tomas]

When his friends asked him how many women he had had in his life, he would try to evade the question, and when they pressed him further he would say 'Well, two hundred, give or take a few'. The envious among them accused him of stretching the truth. 'That's not so many,' he said by way of self-defence. 'I've been involved with women for about twenty-five years now. Divide two hundred by twenty-five and you'll see it comes to only eight or so women a year. That's not so man, is it?' (p192)



BERNHARD, Thomas - O Fazedor de Teatro. Lisboa : Assírio & Alvim, 2004. €11,70

:
Um certo talento para o teatro
já em criança
homem nascido para o teatro sabe
fazedor de teatro
habituado a montar armadilhas ainda muito novo






[in DN, 26.01.2007]

Já se impunha um heads-up a José Bandeira. RC






Edvard Munch, Death in the Sickroom [Ein Tod], 1893?.

Tanto Strindberg como Munch não se pode dizer que sejam pessoas bem-dispostas. RC



Nome: Three Plays (The Father - Miss Julia - Easter)
Autor: August Strindberg
Formato: 175 páginas
Dimensões (em centímetros): 1 x 18 x 10,8
Data de publicação: 1981 (1ª ed., 1958)
Assuntos relacionados:
Descrição: Uma tragédia em três actos, uma peça naturalística e uma peça em três actos.
Tipos de letra: ?
Dedicatória: Não
Mãos: This book belongs to Robert Jones. January 1984.

Laura Don't you believe what I'm telling you?
Doctor I'm quite sure, madam, that you believe what you're telling me.





If Godot brought Beckett to the attention of the intelectual avant-garde it was with his second play that he was to find his public, and his public were to find him. In Getting On, written in 1962 and first performed in London, exactly thirty-three years ago, the two central characters, Velcro and Claude, spend the entire play trapped in opposite segments of a revolving door, the single object of an otherwise bare set, which has apparently become stuck, although we can't be certain about that. One of them seems to have been trying to get in, and one trying to get out, but they can't now remember which was which and neither if them seems to know what the door is a door to. In the second act of the play, the situation is exactly as it was in the first act, except that the two characters have now exchanged places in the revolving door, and they've also exchanged hats.

Velcro What's the weather like, Claude?
Claude How should I know?
Velcro Look, you knew yesterday. Look.
(Pause)
Claude It's not bad.
Velcro But not good.
Claude Not bad, I said.
Velcro Not bad?
Claude Yes.
Velcro That's good.
Claude It's not bad.
Velcro Ah, yes.
(Pause)
Velcro Not bad, not good. That's not bad.
Claude Precisely. That's exactly it, more or less.
(Pause)
Velcro My knees hurt.
Claude I've got some celery left.
in Mightier Than the Sword, episode three.





Já vinte e um? Meu deus. RC





DIREITINHO, José Riço - Um Sorriso Inesperado. Porto : Edições ASA, 2005. €2,25

Três níveis de separação,

1
Encontraram-no três dias depois.
Estava morto; sentado
(com as costas magras e ossudas apoiadas no frio esverdeado e rugoso do granito das pedras da parede)
muito direito no único escabelo da cozinha (...) ~ José Riço Direitinho

2
Há muitos metros entre um animal que voa
E a escada que desço para me sentar no chão (...) ~ Daniel Faria

3
Uma heresia muito mais interessante é aceitar a possibilidade de que um deus nos tenha criado e depois dizer que não há qualquer razão para ficarmos impressionados com isso. E ainda menos gratos. ~ Lars Gustafsson



Memória de intenções é só um nome pretencioso para Lista de compras. RC



Tom This is pure Strindberg.
Matt August Strindberg?
Tom This is right out of The Father. Scariest play I've ever read.
Matt How do we move from baseball to August Strindberg?
Tom We just did. The wife drives the husband crazy. Mad, he literally goes mad because he is never able to regain the upper hand.
Matt He goes mad because the wife plants on his head that their child might not be his.
Tom Exactly.
Matt What do you mean, 'exactly'?
in Studio 60 on the Sunset Strip, season one, episode four.



BERNHARD, Thomas - Na Terra e no Inferno. Lisboa : Assírio & Alvim, 2000. €2,00

Começaram os saldos. RC






[Tereza]

She got home at half past one. Tomas was asleep. His hair gave off the aroma of a woman's groin. (p137)





O meu trabalho é escrever livros que são não meus. As palavras não me são fios do corpo, não as tenho, mas todos os dias vejo a rigorosíssima regra de serem antes sete da manhã e depois oito, e de ler os livros que foram escritos pelo pó antes de mim, e escrevê-los outra vez.

Começou assim o meu primeiro livro de brincar. Tive-lhe dezanove ao meu primeiro livro de brincar. RC





Karen You know CPR?
Jack Oh, yeah. I had to do it on my father when I told him I was gay. Only I think it just confused him even more.
in Will & Grace, season one, episode twenty-one.



Nunca vou a lado nenhum se faço quinze flexões e os braços me doem a guerra dos cem anos. RC



Grace Will, I promise, we'll do something soon. And if not, the day after soon.
Will Yeah, soon's a no go. I'm having lunch at the whatchamacallit with what's-his-name.
in Will & Grace, season one, episode eighteen.



Na maior parte das vezes as boas notícias são trazidas por más pessoas, nem que seja para o mundo se equilibrar um bocadinho de vez em quando. RC

*but rejection from a fool is cruel. ~ Morrissey



Grace [asking about the clothes she's wearing] OK, what do you think of this?
Will It's fine.
Grace Fine means crap.
Will It's good.
Grace Good means fine.
in Will & Grace, season one, episode twenty.





Ordinary boys, happy knowing nothing
happy being no one, but themselves
Ordinary girls, supermarket clothes
who think it's very clever to be cruel to you
for you were so different
you stood all alone
and you knew
that it had to be so
avoiding ordinary boys
happy going nowhere, just around here
in their rattling cars
and ordinary girls
never seeing further
than the cold, small streets
that trap them
but you were so different
you had to say no
when those empty fools
tried to change you, and claim you
for the lair of their ordinary world
where they feel so lucky
so lucky, so lucky
with their lives laid out before them
they're so lucky, so lucky
so lucky, so lucky
so...

[The Ordinary Boys, In Viva Hate, by Morrissey, 1988.]



Will Grace, do you want to sleep with me?
Grace Oh, gosh, I'm sorry, I don't sleep with gay men.
Will See, that's a problem, because, I do.
in Will & Grace, season one, episode fifteen.







Qual dos seguintes cartazes lhe parece inequivocamente o mais imbecil?




Eu tinha prometido não entrar nisto, mas enervam-me enquanto tento conduzir. RC)



Jack Will, you've had one common problem in all your relationships: you.

+

Karen Grace, I may never have had a special relationship with a man, but I have been married twice.
in Will & Grace, season one, episode three.



Entristece-me que já não se escreva assim:

"[Nossa Senhora] apareceo a seu Ayo Egas Moniz, e lhe mandou pòr sobre o seu Altar do lugar de Carquere junto ao rio Douro, tres legoas de Lamego, ao mesmo Principe aleijadinho, & que fazendo por elle hũa noite vigia, logo ficaria liure do impedimento, & aleijão dos pès, como succedeo [...]"*

Mas pelo menos ainda se fala assim nos autocarros. RC

*[In Chronica da Ordem dos Conegos Regrantes do Patriarca S. Agostinho. Segunda Parte dividida em VI Livros, Lisboa, 1668.]



Alguém que me saiba ajudar a tornar este template Firefox-friendly que diga qualquer coisa. A gerência obrigado na mesma







Desculpa lá M. RC





Morrissey é um atoleimado
(o que eu aprecio esta palavra)
defensor dos direitos dos animais,
principalmente aquele direito inerente a todas as coisas de que nós não as fatiemos só porque queremos um bife. Portanto quando em 85 ele se sai com um álbum com este nome
(ver acima)
foi o que foi, e
- Ai, qual é agora o problema de um bife?
- Toda a vida se comeram bifes
e por aí.
Marco para amanhã o meu primeiro dia Meat is Murder. Vejamos. RC



and i

[never had no one ever]

When you walk without ease
on these
the very streets where you were raised
I had a really bad dream
it lasted 20 years, 7 months, and 27 days

alone I'm alone and I never
Never had no one ever.

Now I'm outside your house
I'm alone
and I'm outside your house
I'd hate to intrude
I'm alone, I'm alone
I'm alone, I'm alone
I'm alone, I'm alone
and I never, never, had no one ever
I never had no one ever
I never had no
no one ever
had no one ever
never, no

[In The Queen is Dead, by The Smiths, 1985.]

and i'll never






The Divine Comedy : The Plough (Live at the Roundhouse, 2nd November 2006)

Outra vez lá, outra vez neil. RC






Se mo permitem, gostaria esta tarde de começar por dizer que não sou um homem em termos. A única coisa que fiz que se pode dizer que foi de homem em termos foi quando fiz o meu filho de pé contra uma parede.
Toda a vida tive os pés pequenos. Sempre fui continuadamente gozado porque nunca me rebentou a pele de borbulhas e de pêlos tortos, porque nunca os olhos se me sujaram, nem o cabelo me engrossou em sítios e me começou a cair noutros. Foi por isso com grande estranheza que recebi uma carta em que me pediam que viesse aqui hoje e vos ensinasse definitivos a fazerem-se homens, e a fazê-lo de tal maneira que nunca mais ninguém aqui tivesse de vir para vos refazer homens. O que quer que eu dissesse
(a carta não era específica nesse ponto, nem tão-pouco reguladora ou doutrinária)
tinha de fazer com que vos nascessem barbas de um dia para o outro, e que vos engrossassem os testículos e as cordas que fazem a voz, e tinha de vos entulhar tanto medo nas bordas do corpo que a única hipótese vos fosse escavacar nos fundos dos braços pelos músculos de resolver as coisas à pancada. A carta era, aliás, muito de repetitiva e apavorada, e demorava-se enfim a tentar justificar esta súbita necessidade imperativa com a história mais ou menos detalhada de dois de vocês que acharam bem fazerem-se homens um com o outro.
(risos)
Lembrei-me imediatamente de uma história semelhante que se passou aqui era eu cá aluno. Também então, enquanto os outros rapazes se cresciam homens pelos corredores, e comiam com os dois lados da boca, e se entesavam de rigidez nos braços e nos sítios dos ombros, também então dois alunos desta academia se embrulhavam em, e penso que chegou a ser este o fraseamento utilizado
(pelo menos nas filas do refeitório e nos lugares menos sujos de luz)
se embrulhavam em barulhentos atanços e em nós positivamente repuxados, tenho quase a certeza de ser isto o que se dizia
(sempre achei deliciosamente cruéis estas expressões, e tão violentamente cheias de verdade)
que desde o reitor aos homens mais pequeninos, os de mudarem lâmpadas que se encontrem fundidas, toda a academia se mastigava e se engolia de medo. Não devia haver definitivamente gente desta, dizia-se,
– Aqui
completava uma mão cheia de laca, e toda a gente subitamente se contentava que
– Sim, aqui
não crescesse gente dessa, e que lá fora era outra coisa, mas mesmo sendo outra coisa, decretou o reitor, não precisava inerentemente de ser uma badalhoquice sem tamanho, e terá então levado a mão à boca e ter-se-á engolido em seco. Esta conversa do quadro directivo, ou a narração bíblica dela pelo menos, apesar de ter sido milagreiramente excluída das actas
(ver janeiro - março mil novecentos e sessenta e três)
depressa se desdobrou pelos dormitórios, e debaixo das camas, e a cada cambalhota que dava pelas escadas abaixo, das camaratas dos finalistas às dos alunos novos, cada vez mais se atafulhava de sobrancelhas, e de ameaças de catarro, e cada vez mais os alunos em questão se colavam de unhas à parede como musgo e retorcidamente cresciam de pilas, e depois encolhiam outra vez. Como é óbvio, foi imediatamente montada, por péssima de escolhida a palavra, uma comissão de purificação moral, disse a todos o reitor em reunião extraordinária, cujas principais linhas de acção seriam, um, isolar quanto antes os alunos em questão
(recordo vagamente ter sido usada por então a palavra pecadores),
e dois, iniciá-los de imediato num processo de limpeza moral e de reformatação física e espiritual, durante o qual ficariam ao cuidado do capelão em duas celas
(foi celas a palavra utilizada)
obviamente individuais onde passariam metade do dia a pedir perdão a deus pelos pecados cometidos e a outra metade do dia a ver, e a forçosamente gostar muito, acrescentou o reitor, fotografias de mulheres nuas. Deu em nada isto : meses depois tinha voltado a normalidade dos berros abafados no quarto de arrumos
(violentamente verdade)
e os alunos que eram de si direitos continuavam direitos. Enquanto não aparecer mais gente desta, terá dito o reitor numa das reuniões mensais
(ver outubro - dezembro mil novecentos e sessenta e três)
pode dizer-se que temos a situação afinal controlada. Um dos alunos em questão, aliás, chegou a ir uma vez
(uma só)
com uma rapariga para o quarto de arrumos
(pedira-lhe o outro, estava escuro e ele tinha, para todos os efeitos, os olhos fechados, e a reitoria abrira-lhes vagas para que os isolassem e os lambessem direitos pelas cabeças das pilas)
mas foi uma vez, e o outro também uma só, e cedo se perceberam de volta aos atanços, e depressa outra vez se arranharam as paredes continuadamente de musgo.
(pausa)
Não sei se estarei a ser eficaz como dizia a carta que fosse.
(pausa)
De qualquer modo só na cerimónia oficial e solene de fim desse ano
(junho o dezasseis mil novecentos e sessenta e quatro)
estava toda a gente com a cara de festa, e o chapéu de oficialmente saber coisas, e os alunos em questão, um que estavam ao lado do outro, deram-se as mãos pelo meio das capas
(não sei aliás porque me escolheram a mim para vir aqui hoje),
as caras de festa sentiam-se quentes nos meios das mãos, e nos olhos a academia pela última vez
(escolheram-me a mim porque tenho livros escritos em várias estantes do estrangeiro?),
e quando chegou a altura dos louvores, e de atirar os chapéus ao ar
(escolheram-me a mim porque recebi prémios por fazer as coisas bem?),
os alunos em questão levantaram as mãos pelo meio dos chapéus e da embrulhada de gritos, e conseguiram, não se sabe muito bem como, porque toda a academia parou, parar toda a academia, os louvores ficaram-se no meio do ar, o reitor procurava os olhos no chão, e eu não conseguia ver nada, olhava só a ponta do meu braço
(ou escolheram-me a mim perversamente porque era eu em sessenta e quatro?)
deixar de ser minha
(porque éramos nós em sessenta e quatro?)
(pausa)
De qualquer modo pediram-me que vos dissesse aos dois que se deixem disso
(vocês os dois),
desatem as mãos até amanhã, porque amanhã é sempre sessenta e quatro.
Acaba aqui a lição. RC



O melhor programa de rádio do ano não estreou ainda.



ANTUNES, António Lobo - Auto dos Danados. Lisboa : Dom Quixote, 2005. €16,20

NOTA, O livro de ontem contou como material de trabalho (ver Fiz um trabalho sobre ALA), e daí a extravagância de hoje.
)






[Sabina e Franz]

(Com as palavras malpercebidas seguimos a entender-nos. RC)



De maneiras Doutor Freud que o que se passa é o seguinte,
(posso beber da sua água em secando-me a boca?)
passa-se que ando a ter sonhos muito estranhos, e toda a gente me disse que se há pessoa neste mundo que percebe desse tipo de palhaçadas,
perdoe-me a expressão, você que é médico destas coisas sabe que às vezes vêm-nos palavras que não era bem o que a gente queria dizer,
se há pessoa neste mundo que percebe desta coisada toda dos sonhos e dessa fantochada é o senhor doutor,
(e vê-se que é dos bons visto que tem as paredes todas cobertinhas de papéis, bendito seja)
e de maneiras que cá estou eu, ando muito transtornada com isto dos sonhos
(bendito seja quem é inteligente)
porque às vezes estou eu muito bem sossegadinha a dormir e saio-me com cada um que até nem parecem coisas minhas, e agora não sei por que carga deu-me para andar a sonhar com pessoas antigas, percebe o senhor doutor?,
(eu vou bebendo da sua água em estando-me a secar a boca)
pessoas que já não vejo há uma quantidade de tempo, de repente estou eu descansada a dormir e vêm desfiar conversa comigo, está o senhor doutor concerteza a perceber, não é?, que isto não está certo,
(e que confortável que se está neste seu gabinete)
não está bem que eu ande a sonhar com isto, muito tempo houve que eu não sonhei com nada de esquisito, está o senhor doutor a ver, de quando em vez sonhava que alguém me vinha dizer que estava na hora de mudar as alcatifas
(e de facto estava, uma vergonha)
ou que me tinha eu esquecido de passajar certa peça de roupa a ferro, ou coisas assim, sabe?, o preço das coisas, quando estavam para entrar os saldos, sabe?, coisas assim,
(onde é que comprou esta espécie de sofá? estou a precisar de um como este lá para casa mas não posso pagar os preços que o senhor doutor concerteza pagou por esta riqueza de sofá)
e de repente, uma noite, aparece-me num sonho a Lurdes, que muito amigas que nós fomos, quer dizer,
(empreste-me lá da sua água, se não se importa)
muito amigas é se calhar botar um bocadinho de renda na história, se me percebe o senhor doutor, éramos amigas de às tantas nos trocarmos na rua e
– Como estás, filha?
e ela
– Bem, e tu, rapariga?
de volta, sabe como é, uma pessoa passa por mal educada se não cumprimenta as pessoas, e se há coisa
(água)
que eu não sou é mal-educada, desculpe lá estar-lhe a beber a aguinha toda mas isto atrapalha-me toda, sabe?, nunca vim a um senhor doutor dos seus, das tolérias e assim, mas vê-se pelo seu gabinete
(e que bonito gabinete, sim senhor, e esta riqueza de sofá)
que tem tanto dinheiro como esperteza, calculo eu que seja, e quem me disse para cá vir, o meu filho, o meu mais velho, que se está a fazer advogado,
(deus lhe dê tantos papéis como ao senhor doutor, abençoado seja)
disse-me que o senhor era o melhorzinho, e eu ando tão mal que só um médico dos bons é que me pode acudir,
(e careiro é, por isso deve ser mesmo dos bons ou ninguém lhe cá vinha)
de maneiras que a Lurdes era de irmos de quando em vez comer uma merenda ou assim, e dávamo-nos por acaso muito bem, ela sempre foi gente de mais dinheiro do que nós éramos,
(a casa dela tinha escadas por dentro, credo, coisa que a minha nunca teve, deus me defenda os meus joelhinhos)
mas mesmo assim chamava-me por azar para ir merendar, ou ir pentear aos saldos pelas blusas mais ricas, chegámos até a ir duas vezes a Fátima em dias de romaria,
(excursões bem bonitas, deixe-me dizer-lhe)
mas pouco mais, eu levava a minha vida e ela levava a dela, por azar lá nos encontrávamos,
(por azar não, por acaso, sabe como é, os meus anos de esfregar escadas a madames)
e quando nos encontrávamos era para distribuir conversa, muito minha amiga era ela, agora que penso nisso, muito amigas éramos nós, eu mais que ela, mas muito amigas as duas,
(não tem mais uma gotinha de água, por excesso?)
de maneiras que o problema põe-se no seguinte, senhor doutor,
(obrigado)
um dia destes dou por mim a dormir e começa-me um filme a correr por detrás dos olhos, e uma pessoa, sabe como é, o senhor doutor escreveu até um livro sobre isso, disseram-me,
(eu estive em Marseille antes de vir para Wien, a vida custa a ganhar)
mas eu os livros fazem-me confusão, percebe?,
(se calhar não sabe, esta riqueza de sofá não lhe deve custar a sair do bolso, e este primor de papel de parede)
e assim como assim eu preciso dos olhos para a renda, a Lurdes é que me comprava muitos bordados, muitos bordados me comprava ela, até que um dia deixou de me falar,
(é curioso por acaso estarmos em Wien no início do século vinte)
pergunte-me o senhor doutor o que é que se passou, pergunte-me o que é que eu lhe fiz, e maldição se eu lhe sei dizer,
(porque eu ainda há minutos referi Fátima e a senhora, bendita seja, só lá dá um salto em mil nove e dezassete)
sei que um dia
– Como estás, filha?
e respondeu-me o senhor doutor?, assim me respondeu ela

nada, e depois nunca mais, pergunte-me o senhor doutor porquê isto e, digo-lhe, maldição se eu sei,
(estranho eu ter falado de Fátima, sabe o doutor explicar isto? já agora aproveito a mesma consulta)
e por isso, entende o senhor doutor, é que eu estranhei que a Lurdes, que já não lhe falo vai para
(ora)
vinte anos, é isso
(credo)
de repente me apareça num sonho a meio da noite, mas o mais estranho
(Fátima, do que eu me fui lembrar)
não foi isso, o mais estranho é que no meio da toléria estou eu sentada a conversar com ela, como quando era das merendas, e de repente sai-se ela
– Então, já chegaste a falar com a Lurdes?
ela, percebe?, a Lurdes é que me pergunta se
– Já chegaste a falar com a Lurdes?
e o mais maluco é que eu no sonho não vejo onde está a maluqueira, e respondo-lhe toda lampeira que
– Não, ainda não
percebe?, concerteza que percebe, estou eu para ali a desfiar conversa com ela sobre o facto de não nos falarmos vai para vinte anos,
(então acabou-se-me já a água outra vez?, desculpe lá isto, um homem tão distinto e para aqui preocupado com águas)
e como eu me acordei e lembrei-me disto que lhe conto, porque há alguns, valha Deus, que uma pessoa acorda e esquece, mas este não, este lembrava-me,
(agora lembro-me que a Lurdes tinha um sofá destes)
quando contei este toledo lá em casa disseram-me que tinha de vir a um doutor como o senhor doutor, um médico da gente tolinha,
(é isso, eu sabia que este sofá me dizia alguma coisa, e diz)
e por isso cá vim, senhor doutor, então,
(que barba distinta, e muito escreve o senhor)
que diz? RC



Desculpem-se lá ideias como esta do 1livro|dia, fantochadas destas diz-me o dinheiro que tenho que não voltam a acontecer. RC



ANTUNES, António Lobo - As Naus. Lisboa : Dom Quixote, 2006. €17,96)



FLAUBERT, Gustave - Dictionnaire des idées reçues. Paris : Mille et une nuits, 2006. €1,98





Sai dia 26 de Fevereiro. Pois obviamente que sim. RC



TOLSTOÏ, Léon - La mort d'Ivan Ilitch. Paris : Librio, 2005. €1,98

Se visitar a casa de Tolstoi, na Rússia, comprovará que há doze versões do primeiro capítulo de A morte de Ivan Ilitch, um romance que é perfeito e apenas tem cem páginas. António Lobo Antunes



...mas o papa é parvo. RC



"Why do people keep photographs? (...) that's reason No. 1. Vanity. Now reason No. 2. Sentiment. (...) And there is, probably a third category. No vanity, not sentiment, not love - perhaps hate - what do you say?"
"Hate?"
"Yes. To keep a desire for revenge alive. Someone who has injured you - you might keep a photograph to remind you, might you not?"
in Mrs. McGinty's Dead, by Agatha Christie.

[Vês, já há muito que não fazia um post sobre ti. Bom ano.]


Hoje


01|dezembro|2006

The many faces of robert webb.
Isso do ricardinho acabou.

(Rufus Wainwright | Rules and Regulations
> from Release the Stars)



A ler Frost de Thomas Bernhard e ouvir e a ver coisas que se fôssemos aqui a pô-las todas havíamos de chegar atrasados a sítios onde temos horas para chegar.

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