Ando com uma t-shirt vestida, que diz coisas que me disseram
- Pára com essas cenas
tem já mais de um ano, e mostra já o tempo que tem à volta do colarinho
e uso-a e ao que diz porque me sinto bem
porque na altura me doeu tudo mas agora
este tempo todo depois
é só um bocado de pano que me diz coisas
- A vida continua
tem uma série de frases em letras maiores, porque me foram gritadas,
e uma vintena de outras em sussuros de letra pequenina
cuspidas com a artificialidade de quem pensa muito no que escreve
como esta frase mesmo aqui em cima
com o verbo cuspir e aquele substantivo de oito sílabas
- Se as coisas estão assim é porque é para ficarem assim
e quando penso nelas, quando às vezes o espelho mas devolve em regras de simetria,
lembro-me que não sei se as percebi bem
há qualquer coisa nelas de rápido demais
de super cola três e de sopa em pó
que não me faz sentido nem com os pontos finais que lhes ponho
e principalmente esta
- Não tentes voltar para o passado
me soa a não sei quê de desfocado e de parvo
(- Mas porquê?
pergunto eu
- Se o passado corre às vezes para vir ter connosco?)
e com os olhos no pano outras frases que não estão lá enchem-se de uma tinta que eu lhes ponho
- Será que corre?
o pano pergunta-me
- Ou será isso que tu queres?
o pano pergunta-me
- Queres tanto que vês a mais?
o pano cala-me
e responde por mim
- Cuidado
diz o pano
e fecha-se em aspas para me devolver mais uma frase que não lhe é
- Se me pedissem para ensinar alguma coisa às pessoas, ensinava-lhes que nunca se deve depender de ninguém
e quando eu encolho os olhos para te perguntar se ainda pensas assim
a t-shirt foge-me ao corpo e diz
- Vou indo
- Adios. RC



A manta da cama estendo-a no chão. Viro as costas ao quarto e cruzo as pernas sobre a varanda, os olhos abertos pelo ar e pelo barulho de fora. As pessoas são bocados de cabelo, e bocados de cabeça, com pernas, e com vozes já desfocadas que se cruzam pela rua, sem régua nem esquadro. Na parede em frente, os vizinhos de gente sempre nova fecham-se na escuridão horizontal de quando passa já das duas. Encosto-me ao alumínio, enquanto mais luzes lá fora se vão apagando com estalidos de interruptor. E escrevo, porque não durmo. Olho para cima à procura de um céu mais calmo, mais mesmo. Encontro-o quase vazio, com uma única estrela que lhe desobedece, sozinha, quase por cima da minha cabeça. Em baixo, dezenas de estrelas vão ardendo, tanto ou tão menos como ecrãs de televisão, ou lâmpadas de candeeiros, ou olhos que aos poucos se vão fechando. Volto a notar o barulho. Olho para este texto e não o gosto. Está cheio de coisas que não se vêem na rua, e não se vêem no céu também. Está cheio de luzes que pouco brilham, olhos que pouco ardem, e de corações que menos batem. Doem-me as costas de me debruçar sobre a caneta. E esqueço o barulho outra vez, porque te lembro, e porque nunca te ouço. Sabes? Afinal não te amo. RC


tanto

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Os olhares levantaram-se
toda a gente largou as paredes de esferovite e as fundações de alfinetes e força de vontade e levantou a cabeça
apercebeu-se que o mundo continua a funcionar a um um
(um um é uma das escalas que as pessoas que usam escalas usam)
e perguntou
- O quê?
com aquele sorriso imbecil que atropela as palavras
- O que é que ele disse?
diziam uns para os outros, os olhos ainda desfocados de estar a construir mundos a fingir e diziam
- O que é que ele disse?
num tom de confissão que se orgulha de alguns dos pecados
daqueles menos badalhocos
e
- Diz que são nove meses e que são nove meses
os sobrolhos sussurravam a resposta
- O quê?
afundavam-se nos olhos
- O que é que se passa?, o que é que são nove meses?
- Pois,
(pois)
- não sei, mas que são nove meses entendi eu, isso foi o que eu percebi é que são nove meses
numa gramática sem gramática e sem livros onde se ir aprender
- Pois foi o que eu me pareceu também
e com uma ginástica de periscópio as cabeças levantavam-se ainda mais
a tentar encontrar uma lei que segure o mundo no sítio e que prenda cada coisa à sua sombra
sempre a mesma e sempre diferente
e sempre a mesma
- Mas nove meses de quê?
(- De namoro?
arriscou alguém, como se tivesse acabado de confessar ter feito
não
minto
conhecer alguém que consta que fez
a coisa mais badalhoca que se sabe fazer
que nem o padre sabe o que é
mas
- Não
e um Não interno, um Não daqueles que fecha os olhos e abana a cabeça para por as coisas no sítio)
- Mas nove meses de quê?
e eu
com o meu mundo ainda dentro do saco e um mundo que não era para pessoas
porque poucos mundos o são
mergulho a mão numa atmosfera de plástico para o devolver às sombras e digo
- De rádio
(- Hein?)
- Nove meses de rádio
e os espíritos, com tempo, acalmam-se
(- Bem me parecia
concordam duas trocas de olhares
- Eu bem me parecia que não era de namoro
com uma gaja extremamente boa)
- Nove meses de rádio
seja isso o que for
e com o mundo a fazer-lhes sentido outra vez voltaram à espuma que segurava os seus prédios
e rezaram a um deus de miniatura pela acetona que não tem chovido
ou perdia tudo a forma
- Nove meses
de rádio,
e agora são já vinte e quatro,
e ainda não namoro. RC



Hello. Welcome to New Words in English, where we teach you new words in English. Today's word is 'John', and it means 'a person whose name is John'. As in, for example, the sentence 'John has a car', which means 'the person named John has a car'. Tomorrow, we'll look at the meaning of the word 'car'. Till then, bye. RC



Às vezes acho que passas pelo mundo a flutuar
acho
que pensas que não há nada onde os teus braços acabam e que não há ninguém onde as tuas palavras morrem
- Mas espera aí
dizes-me
- Não sei até que ponto isso da festa é credível
dizes-me
- Porque está tudo muito bem que gostes de fazer uma coisa
dizes-me
- Mas não chateies é mais ninguém com isso
dizes-me
- Está bom?
dizes-me
e não entendes
porque tudo te parece tão simples e tão alheio e tão vazio
o que significam as coisas
e que o que eu faço é mais do que estar horas a falar sozinho para bocados de plástico
é a procura quase sempre vã de ser verdadeiramente feliz
um bocadinho que seja
e se a melhor maneira de ser feliz
(ou a mais fácil)
é fazer de conta que se é e não chatear ninguém com isso
a única coisa que eu vos pedi foi uma noite de verão
para se lembrarem que eu estou aqui, todas as outras, a pegar em bocados do mundo para vocês
porque o mundo fica sempre longe demais se não o soubermos ir buscar
e depois digo eu
- Tu
digo eu
- As coisas que tu sabes
pergunto eu
- chegam-te? RC



Às vezes não me entendo quando me apaixono depressa demais
(se calhar estão aí muitos dos meus problemas)
mas não sabe tão bem de vez em quando acreditar num mundo em que se pode ser verdadeiramente feliz?
não é o tipo lamechento de felicidade, com passarinhos e flautas de pã
e elevadores num gesto prolongado de iô-iô
é aquela felicidade de acordar com uma cara para olhar o dia de frente
não é esse tipo de paixão
é aquela paixão que fala a mesma língua e usa as mesmas palavras
e que lê as respostas quando só há silêncio, um silêncio cúmplice de dois olhos que se fecham em lábios
e sorriem
mas estava aqui a ouvir o patrick e a ler umas coisas que ele escreveu
(isto porque não dou tempo para aprender a gostar dele
com calma
com o ritmo mecânico de um coração sentado)
e dou por mim com uma vontade brutal de dizer coisas
de andar pela rua a gritar verdades que o mundo não quer ouvir
de recuperar uma série de gente do baú
e a partir de amanhã há um eu que faz o que o patrick diz
- I think the point is, everyone, follow your own desires when they grab you as there is so much adventure to be had in the world whenever you choose to seek it, even in times of poverty or sadness or starvingness
e ele tem só mais dois anos que eu, e sabe tão mais. RC



Não ando com.
Paciência.
Para.
(.)
Nada.
Canso-me a ler as vidas de outras pessoas quando as leio mais felizes que eu.
(..)
Não tenho paciência para blogs que são como frigoríficos,
e para as pessoas que lá colam tudo
.
os recibos de supermercado
..
os talões de multibanco
€00000oooooooooooooo
..
as palavras novas que aprenderam
e os soluços com que as dizem
.
e os sorrisos que receberam
(.)
os beijos que foram ensaiados
à distância de dois olhos rasgados
(.)(.)
e os abraços em que se perderam
a respirar cabelos e o pescoço de outros lábios
...
e ao fim do dia, como quem limpa a carteira
despejam a vida num frigorífico
segura
com ímanes
e com forças que não conheço
e=
e que a física não levou a livros ainda
m(cxc)
.
(línguas de fora)
(lábios de fora)
(vidas de fora)
(...)
chego a casa e não fui um puto que desenhava a lápis de cera.
Não ando com paciência para frigoríficos. RC



(Um mar de braços em vez de isqueiros obedeciam, como metrónomos, a um quaternário e a uma guitarra. Eu, que não sou muito dessas coisas, dei também os dois braços que tinha.




Fora isso, não me lembro da última vez que fui mesmo feliz. RC)



Toda a gente já sabe que quando eu me torno obsessivo, sou bastante chato e não há quem me cale. Curiosamente, é esse o significado de 'obsessivo', por isso até estou a respeitar e tudo.
Neil hannon é uma daquelas obsessões que nunca traz nada de mal. E vim eu do melhor concerto da minha vida para chegar a casa e descobrir que já há data para sair o próximo single, o segundo a ser extraído
(já disse, quando é 'single' tem de ser 'extraído')
(é uma daquelas leis do mundo da música a propósito das quais não há nada a fazer)
do último album, Victory for the Comic Muse
(porque raio é que ainda não foram comprar?)
(têm por acaso noção da quantidade de vezes que eu já falei aqui dele?)
e vai ser a faixa número um, que abre
(- A sério?)
o cd e que estabelece o tom da primeira parte do cd. Chama-se To Die a Virgin, e vai chegar à rua com uma quantidade de lados-b
(deles falo lá mais para a frente)
no dia 14 de agosto.
Comprem o disco comprem o disco comprem o disco.
Obrigado. RC





James Blunt quer ser produtor de vinho e azeite. in JN, 12.07.2006

Mas então,
eu pensava que ele já era azeiteiro.

Não? RC



Se Freud aqui estivesse
e estaria de boa vontade não fosse o facto de estar morto há já umas dezenas de anos
havia de ler uma frase que me enche a cabeça e depois ria o ar de um pulmão pelo nariz para dizer que
- Só me estás a dar razão meu rapaz
e pegava num dos seus livros da estante, limpava a garganta com o ar do outro pulmão e dizia
- Elementos da vida mental que são relegados ao subconsciente, por não serem considerados apropriados ao policiamento moral do superego, têm a tendência para se manifestar através de um ou de vários dos mecanismos do inconsciente, sejam eles os lapsos ou, de forma mais comum, através de sonhos
e depois punha no texto um ponto final que não existia, com três segundos de silêncio, e dizia
- Só me estás a dar razão meu rapaz.
Dito isto,
Por esta altura já devia ter deixado de sonhar contigo. RC



NOTA, Este é um daqueles posts de serviço público a que vocês não costumam ligar nenhuma, e em que eu tento mostrar-vos o que é faz com que valha a pena o mundo continuar a procurar o sol todos os dias de manhã.

NOTA 2, Se calhar é por causa de imagens poéticas tão parvas como a anterior que vocês não me ligam nenhuma.


E pronto, aproveitei o meu pequeno salto ao mundo para trazer de lá coisas boas que não chegam cá.
Trouxe um cd. Trouxe um livro. Trouxe um dvd.
Trouxe mais coisas, mas vamos ficar assim for the sake of argument.

Da música que trouxe já falei por aqui, já que aproveitei para trazer as três versões do single Diva Lady do meu caro neil
(a propósito de uma das versões, uma inquietação de que vou falar num dos próximos posts),
e fiquei a saber ao chegar que um novo single tem já data para sair
(e mais um post que virá para falar disso)
por isso são boas notícias e continuo a dizer que aquele que me deu o melhor concerto da minha vida merece que lhe comprem o cd
(e não a cabra da nelinha)
(lembro-me agora que também
Trouxe uma t-shirt
e vou andar com ela porque diz às pessoas para comprarem o cd
em letras a ouro).

O livro chama-se Extremely Loud and Incredibly Close.
Podia não ser preciso dizer mais nada.
Mas tudo bem. É de Jonathan Safran Foer.
Agora sim, não é preciso dizer mais nada.
Já falei aqui do primeiro livro deste miúdo, que se chama Everything is Illuminated e é a melhor coisa que li nos últimos meses. E para quem
- Ah, mas eu não sei ler em estrangeiro
isso não é desculpa, porque o livro existe em português, se bem que eu ache que ele merece o esforço de ser lido em toda a glória do seu inglês engasgado.
Este livro já o queria ler desde o dia em que acabei o outro. Vai ser agora.
Isto é o primeiro capítulo. Leiam.

E se o neil me vai levar a londres outra vez em novembro
(Roundhouse here i go),
vou lá também por outra razão. Em imagens que mexem, trouxe David Mitchell e Robert Webb. O Peep Show já cá chegou, pela Sic Radical, e os dvds da primeira e segunda séries valem todo o pouquíssimo dinheiro que me custaram e têm alguns extras que nos levam ainda mais perto do Mark e do Jeremy. É a melhor coisa que se vai fazendo
(juntamente com o Extras do Gervais e do Merchant que está a agora a filmar a segunda série
na BBC lá para o fim do ano)
e a terceira série sai em dvd no outono e a quarta chega ao Channel 4 em 2007.
Em novembro, vou-me me sentar numa cadeira e estes dois vão estar num palco.

E agora perguntam-me
- A sério, tu não tens uma vida?
e eu digo que É isto
Isto é a minha vida. RC



You are my friends, aren't you?



Somos, neil. Somos. RC





É agora que Portugal fica pelo caminho, porque desta vez ninguém se consegue decidir que coisa de comer é que se deve chamar aos franceses. RC

[Desta vez não há consenso, o povo português não está unido num só insulto em forma de comida.
Isto vai destruir a confiança de portugal.]


cruel

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Na montra de verão da Bertrand está um aquário com um peixinho, e por cima um livro sobre sushi. RC



Faixa um, To Die a Virgin,



e faixa dois, Mother Dear,



Preciso mais razões para ir? RC


Hoje


01|dezembro|2006

The many faces of robert webb.
Isso do ricardinho acabou.

(Rufus Wainwright | Rules and Regulations
> from Release the Stars)



A ler Frost de Thomas Bernhard e ouvir e a ver coisas que se fôssemos aqui a pô-las todas havíamos de chegar atrasados a sítios onde temos horas para chegar.

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armazem42@hotmail.com

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