Os olhares levantaram-se
toda a gente largou as paredes de esferovite e as fundações de alfinetes e força de vontade e levantou a cabeça
apercebeu-se que o mundo continua a funcionar a um um
(um um é uma das escalas que as pessoas que usam escalas usam)
e perguntou
- O quê?
com aquele sorriso imbecil que atropela as palavras
- O que é que ele disse?
diziam uns para os outros, os olhos ainda desfocados de estar a construir mundos a fingir e diziam
- O que é que ele disse?
num tom de confissão que se orgulha de alguns dos pecados
daqueles menos badalhocos
e
- Diz que são nove meses e que são nove meses
os sobrolhos sussurravam a resposta
- O quê?
afundavam-se nos olhos
- O que é que se passa?, o que é que são nove meses?
- Pois,
(pois)
- não sei, mas que são nove meses entendi eu, isso foi o que eu percebi é que são nove meses
numa gramática sem gramática e sem livros onde se ir aprender
- Pois foi o que eu me pareceu também
e com uma ginástica de periscópio as cabeças levantavam-se ainda mais
a tentar encontrar uma lei que segure o mundo no sítio e que prenda cada coisa à sua sombra
sempre a mesma e sempre diferente
e sempre a mesma
- Mas nove meses de quê?
(- De namoro?
arriscou alguém, como se tivesse acabado de confessar ter feito
não
minto
conhecer alguém que consta que fez
a coisa mais badalhoca que se sabe fazer
que nem o padre sabe o que é
mas
- Não
e um Não interno, um Não daqueles que fecha os olhos e abana a cabeça para por as coisas no sítio)
- Mas nove meses de quê?
e eu
com o meu mundo ainda dentro do saco e um mundo que não era para pessoas
porque poucos mundos o são
mergulho a mão numa atmosfera de plástico para o devolver às sombras e digo
- De rádio
(- Hein?)
- Nove meses de rádio
e os espíritos, com tempo, acalmam-se
(- Bem me parecia
concordam duas trocas de olhares
- Eu bem me parecia que não era de namoro
com uma gaja extremamente boa)
- Nove meses de rádio
seja isso o que for
e com o mundo a fazer-lhes sentido outra vez voltaram à espuma que segurava os seus prédios
e rezaram a um deus de miniatura pela acetona que não tem chovido
ou perdia tudo a forma
- Nove meses
de rádio,
e agora são já vinte e quatro,
e ainda não namoro.
RC
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