A manta da cama estendo-a no chão. Viro as costas ao quarto e cruzo as pernas sobre a varanda, os olhos abertos pelo ar e pelo barulho de fora. As pessoas são bocados de cabelo, e bocados de cabeça, com pernas, e com vozes já desfocadas que se cruzam pela rua, sem régua nem esquadro. Na parede em frente, os vizinhos de gente sempre nova fecham-se na escuridão horizontal de quando passa já das duas. Encosto-me ao alumínio, enquanto mais luzes lá fora se vão apagando com estalidos de interruptor. E escrevo, porque não durmo. Olho para cima à procura de um céu mais calmo, mais mesmo. Encontro-o quase vazio, com uma única estrela que lhe desobedece, sozinha, quase por cima da minha cabeça. Em baixo, dezenas de estrelas vão ardendo, tanto ou tão menos como ecrãs de televisão, ou lâmpadas de candeeiros, ou olhos que aos poucos se vão fechando. Volto a notar o barulho. Olho para este texto e não o gosto. Está cheio de coisas que não se vêem na rua, e não se vêem no céu também. Está cheio de luzes que pouco brilham, olhos que pouco ardem, e de corações que menos batem. Doem-me as costas de me debruçar sobre a caneta. E esqueço o barulho outra vez, porque te lembro, e porque nunca te ouço. Sabes? Afinal não te amo.
RC
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