Com o sol a estilhaçar-se nas lâminas dos estores, e o ar cá dentro já seco de tanto pó e de tanto tempo, as aulas são suportadas ao ritmo de um conta-quilómetros resignado a contar os minutos, a contar as linhas de nada que nos forçam a ouvir, os desenhos quase mortos ligados à maquina de um contorno vazio, de livro de colorir, e as cores estão todas fechadas do outro lado da janela, dentro de um pequeno e privado sol de gota de água. Linhas de nada, palavras que insistem em significar coisas antigas que já não servem a ninguém, seguram as cordas de um pequeno mundo de cartão e de pano e arrumado todos os dias numa caixa, com a quietude cúmplice de uma criança de madeira, de uma pedra, que respira pelos veios o mesmo ar que nós. Pesadas cabeças de gesso com cérebros de cal agarram-se às paredes e vêem-nos de todos os lados. Olham-nos mortos, dormentes, autómatos atrás dos sorrisos pálidos de post-it que colamos às caras, enquanto toda a gente acredita que vamos bem, que acordamos todos os dias para uma existência de cadáveres felizes, cujas lesmas do crânio se alimentam sempre das mesmas falsas verdades, das mesmas orações intocáveis e empoeiradas a um Tudo que não existe. E hoje, num pedaço de vidro com mundo lá dentro, os meus olhos devolvem-me um corpo de olhos cansados, de olhos vazios à espera já não me lembro de quê, e encontro no lugar da boca uma voz que diz Desisto, livre de máscaras porque cansada de fingir, e com a certeza desmaiada de que há mais mundo lá fora, que está todo lá fora, e que se pergunta Porquê estas paredes se não há nada guardado cá dentro.
RC
está excelente o texto.