A cidade de Sofrónia compõe-se de duas meias cidades. Numa fica a grande montanha russa de íngremes bossas, o carrocel com a sua auréola de correntes, a roda das gaiolas giratórias, o poço da morte com os motociclistas de cabeça para baixo, a cúpula do circo com o cacho dos trapézios a pender no meio. A outra meia cidade é de pedra e mármore e cimento, com o banco, os opiários, os prédios, o matadouro, a escola e tudo o resto. Uma das meias cidades está fixa, a outra é provisória e quando acaba o tempo da sua estadia despregam-na, desmontam-na e levam-na dali para fora, para a enxertar nos terrenos vagos de outra meia cidade.
Assim todos os anos chega o dia em que os operários destacam os frontões de mármore, deitam abaixo as paredes de pedra, os pilares de cimento, desmontam o ministério, o monumento, as docas, a refinaria de petróleo, o hospital, e carregam-nos em reboques de grandes camiões para seguirem de praça em praça o itinerário de todos os anos. Aqui fica a meia Sofrónia das barracas de tiro ao alvo e dos carrocéis, com o grito suspenso da naveta da montanha russa do avesso, e começa a contar quantos meses, quantos dias deverá aguardar antes que retorne a caravana e recomece a vida inteira.
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In CALVINO, Italo –
As Cidades Invisíveis. Lisboa: Teorema, 2003. p65]
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