ouviste o que disse o moço da guitarra? eu por acaso sempre achei que esta gente eram todos ganzados ou então só estúpidos, mas ali pelo meio daquele espalhafato metafórico todo aconteceu ele dizer coisas a propósito : ouviste ou não ouviste o que ele disse? estava ele a perguntar, e chegou a perguntar uma continuação de vezes porque calhou de ser no refrão, porque raio é que era amor aquilo que me tinhas. tudo bem, ele não disse raio, mas isso já sou só eu a reforçar porque se queres que te diga eu também sinceramente nunca percebi muito bem : sei que é amor que me tens, dizes tu aliás que é amor que me tens, mas eu agora vejo-te aí a olhar perdido de volta para mim e podia quase apostar que tu também não sabes : acertei? não me digas que acertei. ah sim? : nesse caso então congratulações de uma forma geral para mim e já agora para o miúdo da guitarra que até é muito giro e pelos vistos sabe fazer perguntas bem feitas. olha fazemos assim : eu acho que vou ajudar-te a tentar perceber porque convenhamos parecendo que não isto acaba por me dizer também respeito se bem que duma maneira mais ou menos atravessada : vamos lá tentar sistematizar isto. por exemplo, uma das coisas que me faz impressão e que torna isto tudo do amor que me tens mais, vamos lá, anormal : é que pela maneira como isto está escrito até parece que eu estou mesmo a falar contigo cara a cara e chega até a dar ares de que eu te estou a ver os olhos e tanto eu como tu sabemos que não é assim : e ainda bem, desculpa lá estar a dizer isto mas nós estarmos, como é que se diz?, nos quintos um do outro acaba por me facilitar bastante as coisas porque : lá está : mais uma vez este texto dá a entender que eu me preocupo nem que seja residualmente com esta treta do amor que me tens e a verdade é que não, não podia querer saber menos se te custa dormir ou se te dói continuamente o corpo ou se conduzes de olhos fechados : ehpá em verdade é-me igual que chores ou não mas por tua causa estou disponível para fazer um bocadinho de conta : por tua causa. eu acho mesmo que a primeira coisa que tens de perceber é essa súbita urgência de mim tendo em conta a lonjura de nós : e continuas tu patético a olhar-me de volta, pára com isso por favor não te leva a lado nenhum. porventura o problema : segue-me : porventura o problema é não fazeres por entender nada disto, percebes por onde estou a ir? : os sonhos pensam-se e acordam-se, esse tipo genérico de parvoíce de que se convencem as pessoas como tu com o amor que me tens, já não é a primeira vez e não há-de ser a última que as pessoas me conhecem e deixam de saber fazer contas e começam a tropeçar-se todas nas frases, está sempre a acontecer, e uns dias depois pedes-lhes que resolvam um silogismo pequenino ou que digam qualquer coisa inteligente sobre nietzsche e pois está quieto : ficam a olhar para mim vazios como tu agora daí não me ser extraviado pensar que acredites nessa atrapalhação onírica toda : não me entendas mal, eu também costumo raciocinar por sonhos, mas agora não tenho tempo e além disso não estou nesse estado de alienação aparvalhada em que estás tu com o amor que me tens. ou então se calhar agora deixo-me de meta-cuitados e atiro de uma vez que o problema és mais provavelmente tu, algures no meio desse atabalhoamento de confusão em que pelos vistos gostas de remoer : será que é mesmo amor que me tens ou és só tu à procura de um muro onde poderes ser miserável? não serás só tu à procura da tua nuvem? repara, eu gosto ligeiramente de ti de vez em quando, mas mentia se dissesse perceber todo esse amor que me tens.
RC
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