manual de escrita (II)


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É cedo, pensou, cedo demais, o ar começava só agora a aquecer e os relógios iam, aos poucos, desentorpecendo os ponteiros da rigidez da noite, O mundo ainda não acordou, os pássaros ainda dormem nas árvores e as próprias árvores descansam ainda, quando estava a entrar no barco
(eu não devia estar a escrever isto)
às cotoveladas aos sacos, Pararam de crescer, recolheram as raízes e estendem-nas agora outra vez, enquanto as pessoas se encostavam ao fundo das cadeiras e procuravam pela última vez olhar para a cidade, Com que sonharão as árvores quando dormem?, que se ia levantando com o cheiro do pão e do nevoeiro
(não devia)
e que se rearrumava de casas e de ruas, Se calhar sonham com os pássaros, como todas as manhãs, à porta do quiosque aninhava-se um monte de jornais, os candeeiros pingavam ainda uma luz cada vez mais pálida, Ou então com as pessoas que lhes escrevem nos troncos com as pontas das facas, e de dentro do barco todos procuravam um bocadinho de cidade que pudessem levar consigo, para sempre, Escrevem amo-te,
(não sei nada sobre barcos nunca estive num)
a mulher de vermelho escolheu o cão estendido no cais, o homem com o jornal topou um banco no jardim, Será que é por isso que as árvores morrem?, e a criança que ia com ele encontrou, ao lado do banco, o baloiço, e a senhora com o chapéu procurou pela janela uma fonte, e sentiu-lhe a água nas mãos, e foi quando todos tentavam agarrar-se à cidade, deixando autocolantes nas coisas e fios atados aos pulsos, Porque não se amam mais as pessoas das facas?, que o barco largou
(sei que andam no mar e que raramente regressam, e que se regressam já não é ao mesmo sítio nem pelo mesmo mar)
e os olhos ficaram guardados na cidade, nos cofres dos bancos, e os que não ficaram foram deixando um rasto de migalhas na água, para as gaivotas
(não é ao mesmo sítio porque não é pelo mesmo mar)
e para saberem voltar, Porque é que não se amam mais?, quando quiserem, porque vai chegar o dia em outros sítios onde a manhã tem outras cores, e outros cheiros, os contornos da cidade iam vagando de linhas com a distância, todas as paredes se pintavam de nevoaça, e os jardins respiravam um tom mais cinza de verde, Deve ser essa a força das grandes árvores, das árvores eternas, um amor que não morreu, a mulher queria lembrar-se do cão mas ele não se via, nem o banco de jardim, nem o baloiço
(se calhar devia andar de barco)
escondiam-se todos atrás do mar, e quando se perderem essas coisas todas vai ser preciso voltar, as pedras da cidade transformavam-se em nuvem
(para poder escrever)
e redesenhar a cidade sempre do início, e relembrar a forma de cada uma, Como quando éramos putos e era verão, e imaginávamos na relva as pessoas que viviam nas nuvens. RC


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Hoje


01|dezembro|2006

The many faces of robert webb.
Isso do ricardinho acabou.

(Rufus Wainwright | Rules and Regulations
> from Release the Stars)



A ler Frost de Thomas Bernhard e ouvir e a ver coisas que se fôssemos aqui a pô-las todas havíamos de chegar atrasados a sítios onde temos horas para chegar.

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