acta da assembleia-geral-extraordinária (III)


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parte um
parte dois


Dizia o texto da lei, que havia sido escrito numa ginástica de panfleto e de abafamento de gritos ―para que toda a gente percebesse, afirmavam os analistas, visto que se tratava duma questão premente e visto que nestes assuntos da beleza a maior parte das pessoas é afinal imbecil, ou ignorante, escolha-se o mais insultuoso― que após várias rondas de negociação e de uma ou duas cedências mais relevantes exigidas pelos delegados da mesa que tinham mais dinheiro ―e por isso mais quadros e por isso menos dinheiro―, e ainda após uma derradeira revisão do rascunho pelos representantes das escolas de bem escrever, a maior parte deles poetas e todos de entre eles maus, que milimetricamente mediram cada vírgula e que trocaram meia dúzia de palavras por outras tantas de igual valor ―mas que soavam melhor―, tinha-se chegado por fim a um consenso em relação ao texto a ser fixado para ser assinado de imediato pelo presidente do mundo, ainda de férias mas disponível para homolgar por telefone, e por isso para entrar em vigor com carácter de urgência nos seguintes termos ―e começava assim―: estatutos gerais para a regulamentação dos padrões de avaliação estética (lei da pessoa mais bonita do mundo), parágrafo, artigo primeiro, há uma pessoa no mundo que é mais bonita que todas as outras. Um dos membros da mesa terá alertado para a pequenina ambiguidade da frase como está escrita ―não se sabe se a pessoa mais bonita o é que a soma de todas as outras ou que cada uma delas, mesmo as de olhos grandes―, mas tomou-se a imprecisão como uma coisa boa para atrapalhar os menos obtusos que se levantassem de fazer perguntas. Artigo segundo, qualquer manifestação pública, individual ou colectiva, que grite a pessoa mais bonita do mundo ser outra que não a que aqui se define ―ver artigos quarto a sétimo― será severamente punida em valores semelhantes ou equivalentes ao dinheiro dos bolsos ou aos olhos da cara ―qual deles valer mais―, e corresponderá a pena suspensa de prisão enquanto durar a vida da pessoa mais bonita do mundo, ou trinta anos ―qual deles acabar depois―. Artigo terceiro, mostras, por outro lado, de apreço pela pessoa mais bonita do mundo que resultem em aborrecimento ou arrelia da mesma serão presencialmente punidas com a truncagem das mãos. Adenda ao artigo terceiro, assiste à pessoa mais bonita do mundo o direito de sovar qualquém a incomode ou cause distúrbio ou obrigue a atravessar de lado da rua por força de ficar em paz e sossego. E nestes termos continuava o texto. Artigo quarto, apende-se a este decreto ―ver verso da folha― uma fotografia da pessoa mais bonita do mundo, para efeitos de ser mais fácil saber-se quem é. Ora esta questão da fotografia foi uma que trouxe problemas e foram dois os problemas que trouxe. Por um lado, sentiam os teóricos, os gestaltianos e os de ver as coisas aos bocados, assim como os filósofos, os teólogos e os mediúnicos, que a necessidade de uma imagem que desse verdade à pessoa mais bonita do mundo seria a negação de si própria, uma vez que a beleza transcende o mundo, o mundo extraverte a fotografia e, dois mais dois igual a cinco, como os vampiros, a beleza não pode ser fotografada. Este problema foi facilmente resolvido pelo presidente da mesa quando lhes pediu, de olhos estreitos, que por favor fechassem a porta pelo lado de fora. Agora o outro inconveniente viu-se mais atravessado de resolver. Pelos vistos a única fotografia que existia da pessoa mais bonita do mundo era uma muito líquida de contornos, tirada numa tarde de verão quando a pessoa mais bonita do mundo estava na esplanada de um café a tomar café por uma chávena de café. Toda a gente concordava que a fotografia era má, excepto os que a achavam ainda pior, e foi por isso que, em adenda ao artigo quarto, se escreveu ―em legítima encolhida defesa―: mais se afirma que a pessoa mais bonita do mundo não é a pessoa mais fotogénica do mundo. RC


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01|dezembro|2006

The many faces of robert webb.
Isso do ricardinho acabou.

(Rufus Wainwright | Rules and Regulations
> from Release the Stars)



A ler Frost de Thomas Bernhard e ouvir e a ver coisas que se fôssemos aqui a pô-las todas havíamos de chegar atrasados a sítios onde temos horas para chegar.

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