manual de escrita (III)


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Mandaram-me aquele texto, batido à mão, e pediram-me que o pesasse, e que dissesse de forma bem clara
(e sistemática se fosse possível não vamos esquecer a sistemática das coisas)
o que está bem e o que está mal, e do que está mal o que está melhor e o que está pior, e do que está pior o que está menos mal,
- Sabes apetece-me escrever
disse-me ele
- apetece-me
e a palavra aos pontapés
- mas não sei o que é preciso saber
- Não importa para nada o que tu sabes
interrompi
- se escreves é porque não sabes
e esta frase teve mais ou menos o efeito que eu esperava que tivesse, e se não teve pelo menos calou-o
- se soubéssemos as coisas
continuei
- não as escrevíamos, chegava-nos pensar, se as escrevemos é porque esperamos ficar a perceber
tenho mesmo a impressão que cheguei a levantar ligeiramente o nariz ao dizer isto, porque ele encolheu todo o músculo da cara e quase perdeu os olhos debaixo da testa,
lembro-me muitas vezes de um amigo do meu pai, que sempre me tratou por senhor engenheiro
- Bom dia senhor engenheiro
de todas as vezes numa rigidez de nó de gravata e de calças vincadas, a quem cheguei a entregar jornais no verão de oitenta e quatro
- Bom dia rapaz
- Bom dia senhor Borges
um velho homem de palavras, dos que ainda escrevem football, daqueles que reservam para os livros os bons vinhos, como se fossem visitas, como se fossem presidentes ou ministros do reino
(ou escritores, ou bons escritores, estava sempre um segundo copo cheio ao lado da lareira)
que um dia me disse
- Se alguma vez sentires que queres escrever
(e acho que imediatamente quis)
- pousa a caneta e lê
(e acho que imediatamente quis)
e apontou para a estante
- este
- Qual?
- Este
apontava já para outro, de olhos fechados
- ou este ou este ou qualquer um destes ou aquele ou
e esticou o braço para o fundo da prateleira e tirou um livro, pequeno, vermelho,
- As folhas estão em branco, todas,
- Depois de leres qualquer coisa, tenta ler este, e as palavras vão aparecer no papel
e eu parei de olhos vazios também
- aparecem sempre
- Só há duas regras
acho que vou acrescentando regras novas de vez em quando nem que seja para não estar sempre a dizer o mesmo
- para escrever, um não ter medo das palavras e dois saber do que se gosta, sabes do que gostas?
ele foi desatando o nó da cara e desmaiou um
- Sim
- Sim?
desta vez sim
- Sim
- Então escreve e escreve sempre para ti
- Mas e
(mas e o quê?)
- e vocabulário e gramática e pontuação e estruturas e narrativa e diálogo e personagens e tema e esse tipo de coisas?
(sim esse tipo vago de coisas)
- Eu disse regras para escrever, nunca disse regras para ser lido. RC


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Hoje


01|dezembro|2006

The many faces of robert webb.
Isso do ricardinho acabou.

(Rufus Wainwright | Rules and Regulations
> from Release the Stars)



A ler Frost de Thomas Bernhard e ouvir e a ver coisas que se fôssemos aqui a pô-las todas havíamos de chegar atrasados a sítios onde temos horas para chegar.

Já se disse

O que se disse em

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