Interessa talvez apontar o que foi da vida do rapaz depois de se ter passado o que se passou. Artigo sétimo, a pessoa mais bonita do mundo é-o em regime de ser para sempre, e qualquer áltero cenário que desrespeite o que se estabelece neste artigo ―ver este artigo― é consequentemente mentira. Ora mais uma vez se chegou à frente o povo do pó, e tossiu um raciocínio que tinha tanto de arrítmico como tinha de justo. Abria-se, afinal, um precedente: tinha sido redigida, promulgada, e depois revista e aumentada a primeira lei que por um princípio fundamental de mau feitio não admitia porque não admitia emendas. Este decreto é tão bom como um buraco negro ―disseram eles―, e vai acabar eventualmente por se engolir a si próprio. Mas as pessoas que escreveram a lei ficaram-se de brusco tão surdas como a lei já o era, e por isso nunca mais ninguém falou neste assunto. A verdade é que também poucos foram os que se incomodaram com a lei como estava escrita, e ao fio de mais ou menos tempo, entre os que concordavam de olhos abertos e os que só assentiam de ombros, toda a gente acabou por admitir que sim, que podia ser, que ele era a pessoa mais bonita do mundo. E foi precisamente no dia em que o derradeiro antipático desistiu do último bocado de dúvida que ainda restava, e o mundo se teve perigosamente unânime por um instante ―e por isso incrivelmente instável―, que se puseram os olhos todos numa específica fotografia em que se via a pessoa mais bonita do mundo ao lado de alguém que parecia, para todos os efeitos, ainda impossivelmente mais apetecível e que brilhava uma luz ainda mais bem acabada. Sabia-se sobre tal pessoa, especulavam baixinho as subcaves das revistas, que vivia de muito recente em casa do rapaz, ou porventura falava-se em duplicações de verdade se se dissesse que morava lá de muito mas mesmo muito recente, visto tratar-se da casa nova que o rapaz tinha acabado de comprar ―com tectos altos e as paredes alinhadas de espelhos― a alguém que, porque só concedeu vender-lha ao fim do segundo telefonema, e quase três minutos estendeu-se cada um deles, resumiu-se no fim do negócio não só sem a casa mas também sem as mãos. Isto de aparecer outra pessoa a desinquietar o mundo não era, como provou quase de imediato qualquer teórico da escola de ter os olhos abertos e de facto reparar nas coisas, nada de que não se estivesse já à espera. E os dois argumentos que lhes serviram não eram mais do que sintomas do provavelmente, e eram, por isso mesmo, verdades absolutas. Em primeiro lugar, a beleza atrai a beleza. Está amontoadamente documentado, por norma nas mesmas subcaves onde se revelam fotografias forjadas, que pessoas com bom aspecto só sobrevivem sem faltas de ar ou falência espontânea de órgãos dentro de campos gravitacionais de gente com bom aspecto, e ainda que as consequências medico-desastrosas de alguém positivamente bonito se ter, por mais que certo acidente, no meio de gente feia nunca se terem provado, a verdade é que tal cenário nunca aconteceu, ou então nunca foi registado, o que nos obriga a considerar os efeitos evolucionistas que tal experiência poderia provocar, isto é, a extinção de gente gira para sempre e a criação de um mundo onde toda a gente parece que acabou de se levantar. Tudo isto é, obviamente, falso e, portanto, é mais provavelmente verdade. Agora o outro argumento é consideravelmente mais forte. É um facto inegável que as pessoas não sabem o que querem, o que leva a que haja quem diga que o maior problema das pessoas é que há pessoas. E o que aconteceu aqui foi o que continua repetido a acontecer, e foi que as pessoas acabam todas as vezes por se cansar das coisas boas. É por isso que vamos ver o mar e voltamos sempre para casa, e nunca nos perdemos tempo que chegue a aprender a respirar água, nem montamos vida ao lado dos peixes, e é por isso igual que ninguém fica quieto à espera que uma árvore cresça, e se faça ramos.
RC
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