acta da assembleia-geral-extraordinária (V)


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Adenda ao artigo sexto, isto é mais definitivamente não um erro. A pessoa mais bonita do mundo é a pessoa mais bonita do mundo, ponto final, fim de discussão ―dizia o texto da lei―. Não adianta que ele diga que não é porque é. Ora os juristas e os legisladores que, importa lembrar, foram os únicos que não tiveram um dedo na redacção da lei, chegaram-se de primeiro à frente que este acrescento em particular, para não falar do resto da coisa, parecia ter sido escrito por uma atrapalhação de miúdos, e que chegava falar um naco com gente como eles, que sabem falar a língua do pó, para se ficar a saber que entre códigos civis, penais, tratados de acabar guerras, de como comprar casas e de como acabar casamentos, dividir filhos e deserdar netos, nunca em circunstância nenhuma se encontrara nesses cemitérios de frases uma lei pela qual sim é sim e sim é sim porque sim. Não é nesses termos ―somavam eles―, que se diz às pessoas o que fazer. No entanto, é completamente nesses termos que se diz às pessoas o que fazer, e nesse tom de voz marginalmente mais grosso que têm os irmãos mais velhos. É isso precisamente ―arriscou um advogado que só o era desde ontem, e por isso ligeiramente menos embirrado que os outros― o que é uma lei: uma coisa, isto é, algo, é porque é. Só que desta vez, desdobrou-se o moço em hipóteses, eles ou não podiam ou não estiveram para se dar ao luxo de demorar meia hora a dizer o que queriam de facto dizer, e daí o atrelado ao artigo sexto, naquele fraseamento de já saber as cores até dez, de que ele é a pessoa mais bonita do mundo porque é e fecho de conversa. Daí que ainda que ele próprio, a pessoa mais bonita do mundo, e apesar dos espelhos e dos olhos que roubava sem querer e dos tropeções de que era inocente, viesse dizer que não, que se tinha atravancado tudo de cabeças e que ele não era, nem pouco mais ou menos, a pessoa mais bonita do mundo, um bocado da lei havia agora que falava mais alto que ele. Artigo sexto ―antes da adenda―, regista-se que a pessoa mais bonita do mundo se chama ―e aqui podia ler-se o nome dele―, é portadora do documento de identificação ―e aqui fixava-se o número, que por azar era o mesmo que o seu número de telefone, que à conta disso não mais se calou―, e reside, para efeitos de morar lá, num prédio de habitação na rua ―e aqui escrevia-se o nome da rua dele, que por outro azar era o mesmo que o nome da rua dele―. Foi por isso que quando ele pediu, na manhã do dia seguinte, a mesma de se ter feito o acrescento, aos senhores jornalistas e restantes membros da imprensa aborrecida que por favor lhe saíssem da porta de casa, eles delicadamente declinaram e deixaram-se estar nas posições em que estavam. À manhã do dia terceiro depois da lei puseram-lhe encostado à parede do prédio, por encomenda sua, um polícia forrado de braços e de bigodes e com uma faca de cortar mãos. Ninguém se tinha satisfeito nem quanto muito confortável com esta história de cortar as mãos às pessoas, e o primeiro a achar isto tudo se calhar um bocadinho demais era o próprio ele o mais bonito do mundo, por isso quando o polícia lhe perguntava, já em posição de lanhar, se esta pessoa por enquanto ainda possuidora de mãos o estava de facto a desassossegar, ele tendia a responder na maior parte das vezes que não. Mas só na maior parte das vezes. Coisas têm de ser feitas quando têm de ser feitas, comentou definitivo o alto-comissário a propósito de uma marcha de jornalistas irritados, justapostos e consonantes em defesa do movimento emergente dos colegas neomanetas, e quando perguntaram ao alto-comissário porque é que tinha de ser, porquê esta selvajaria de se resolverem as coisas com facas, e lhe subiram a voz de vincos de querer saber porquê, a melhor maneira que ele arranjou de responder foi atar um nó numa artéria do pescoço e aturar ―com efeitos imediatos e de forma permanente― uma paragem respiratória. RC


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01|dezembro|2006

The many faces of robert webb.
Isso do ricardinho acabou.

(Rufus Wainwright | Rules and Regulations
> from Release the Stars)



A ler Frost de Thomas Bernhard e ouvir e a ver coisas que se fôssemos aqui a pô-las todas havíamos de chegar atrasados a sítios onde temos horas para chegar.

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