acta da assembleia-geral-extraordinária (IV)


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A verdade, no entanto, é que à subtracção daquela, roubada em termos completamente esquivos e por isso assustada, qualquer outra fotografia em existência da pessoa mais bonita do mundo, fosse em carteiras de avós, ou em livros de turma, fosse nos papéis de poder conduzir ou nos restantes documentos, fossem elas polaroids de férias, ensaiadas ou não, repetidas ou calhares, a verdade é que todas elas, independente se desfocadas, amputadas de pernas ou de testas, maldispostas, desenquadradas ou só infelizes, eram afinal aquilo que eram, que era fotografias da pessoa mais bonita do mundo. Aliás, se houve outra altura em que se lhe podia ter sacado uma fotografia ruim, e poder-se-ia de facto estivesse presente alguém com uma máquina, foi no preciso instante em que a pessoa mais bonita do mundo desembainhou o jornal daquela manhã e viu, na primeira página, e na respiração gritada do todo da folha, uma consideravelmente monumental ―e monumentalmente má― fotografia dele próprio. Artigo quinto, não há de maneira nenhuma qualquer envolvimento ou imiscuição da pessoa mais bonita do mundo no processo de decisão ―ler actas da assembleia ou ao revés acreditar em nós―, e mais se confirma que de nada do que foi decidido, ou do que se faz regra pela presente lei ―ver presente lei―, teve a pessoa mais bonita do mundo prévio conhecimento. E a verdade é que é verdade que não teve. Isto é tudo mais provavelmente um erro, disse ele às primeiras horas do dia em que passara a ser, por especial garatujagem do presidente do mundo ―e com os cumprimentos da sua mulher, que aprovava com entusiasmo― a pessoa mais bonita do mundo. Quer dizer, ouvia-se o desgraçado de ombros no chão, eu sei que tenho as cores certas e tudo, e que transluzo uma luz interessante quando o sol me bate pelo lado certo, e me abana as funduras dos olhos numa fervência de lagos, mas mesmo assim eu continuo a ter para mim que isto é tudo mais provavelmente um erro e enquanto engano é dos grandes. Em verdade existem vários os que duvidam ―especialmente os filólogos e de entre eles os mais recurvos― terem sido estas ipsis verbis as palavras que ele terá utilizado quando falou, ainda de cara encolhida, aos jornalistas que de pronto se lhe puseram à porta de casa, pavloviamente a postos e com a missão de recolher, reproduzir e ampliar qualquer e o primeiro depoimento que se conseguisse arrancar ―de forma completamente espontânea, atenção― ao coitado mais bonito do mundo. E não foram de facto estas as palavras que ele utilizou. Contudo, cedo decidiram os editores dos jornais, redactores-chefes e correctores gramaticais ―e ortográficos― que a pessoa mais bonita do mundo precisava de palavras que se lhe parecessem, e frases que lhe fossem dignas da linha dos queixos e do rebordo dos olhos e por aí adiante, de tal maneira que à porta de casa dele se punham os jornalistas, que lhe gravavam as respostas e que as passavam pelos fios dos braços até às carrinhas, onde estavam aqueles que se acertou chamar os substituidores, ou seja, indivíduos especialmente treinados ―a maior parte deles poetas e todos de entre eles maus― para lhe pegarem na voz e lhe trocarem a ordem, e o que mais fosse preciso, para que parecesse melhor. Convém talvez dizer, ainda que de passagem, que isto de encher as notícias de lâmpadas acabou alguns meses depois por bifurcar para outras partes dos jornais, e por isso qualquer pessoa que rebentasse na guerra era uma provocação de vermelho, entre mais demências e outras manchetes anormais onde se lia Avião aninha em montanha e mata trezentos, Caves multiplicam-se de lagos nas maiores cheias em dez anos e ―aquele que mais irritação causou, e não admira― Mulher é mordida por cobra e fica muito quieta para sempre. Logo, quando a pessoa mais bonita do mundo disse, ainda meio enevoado, Isto é tudo mais provavelmente um erro, o que ele disse de facto foi Não, eu parece-me é que está tudo parvo. RC


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01|dezembro|2006

The many faces of robert webb.
Isso do ricardinho acabou.

(Rufus Wainwright | Rules and Regulations
> from Release the Stars)



A ler Frost de Thomas Bernhard e ouvir e a ver coisas que se fôssemos aqui a pô-las todas havíamos de chegar atrasados a sítios onde temos horas para chegar.

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