Q U O D
. E R A T
. D E M O N S T R A N D U M
depois de O fazedor de teatro de Thomas BernhardP r i m e i r a
. e
. U n a
. C e n a
Onze horas da noite
uma rolha
um copo enche-seCLOUDON
Não creio que devam acreditar no que digo
em tudo o que digo pelo menos
Em tudo o que digo posso mentir até metade
de tudo o que digo
bebe do copoChamam-me mentiroso por isso
Eu
pessoa de sangue bom
fazedor e refazedor de nuvens
gente séria gente de bem
Sempre fui gente de bem
E então minto uma vez
inevitável impulso
obrigação quase
necessidade muscular
e é treta tudo o que digo
É treta
já me gritaram na rua
É insuportável maquinação tudo o que diz
E isso sim
isso sim
é falso e indigno
difamatório
e não o admito
bebe do copoMetade das minhas verdades são mentira
até aí vou
daí não passo
bebe do copoHá dois ou três princípios matemáticos
Da ciência da imutabilidade
como a conhecemos
Que pouca gente conhece mas que me parecem
possível imodéstia da minha parte
importantes porque são aplicáveis a este caso
Este caso em particular
que me maça
Sublinhado incómodo e constante
e interminável começo a julgá-lo
desde há cerca de um mês
Pouco menos de um mês
Pouco menos de uma semana
bebe do copoO absurdo da mentira só se encontra na sua inutilidade
no seu despropósito
no seu ser dispensável
suspiraMas é como este vinho
Porquê não o beber se o podemos beber
Absolutamente
estamos de acordo
Será isso também o absurdo do vinho
Possivelmente
Não sei dizer
estou a bebê-lo
bebe do copoisso não parece absurdo a mim
bebe do copode maneira nenhuma
Diz a lei da permutabilidade circular
que eu descobri um dia
que dois números infinitamente distantes entre si
com expoentes de infinitude entre eles
ou seja
não só com tudo entre eles mas com múltiplos de tudo
Metamúltiplos quero eu dizer
automultiplicações se quiserem entre eles
diz a lei que esses dois números
se
e apenas se
sujeitos a uma mesma matriz divisional com uma mesma raiz de constância
Não se percam isto não é difícil
Dizia eu uma mesma raiz de constância
digamos vinte e um por exemplo
Esses dois números vão acabar por ser
inevitavelmente
um e o mesmo número
ou quanto muito dois números naturais seguidos
um e dois por exemplo
dezassete dezoito
eu e tu
bebe do copoEu e tu
E tudo entre nós
Estou a beber do vinho que me deste
Lembras-te
bebe do copoPor acaso não é muito bom
Sabe
a quê
sabe a moscas
ou a lamber calhaus
Definitivamente é inferior
É um vinho inferior
Foi um vinho inferior que me deste
bebe do copoQuere-lo
Eu não o quero
guarda-o
leva-o
quando cá vieres vens e leva-lo
eu não o quero aqui
bebe do copotomemos dezassete e dezoito
dois números suficientemente insuspeitos
sequenciais
debruçados um no outro
A única razão pela qual isto se verifica
Isto o encosto
É a tal raiz de constância
Entidade matemática que eu fui buscar à física de forças
Empurrões e puxões universais a física de forças
atracções invisíveis
repulsões intopáveis
física de forças
Mas que é a singular maneira de explicar que quaisquer dois números
não importa a quantidade de tudo que os separe
hão-de acabar
justamente pela permutabilidade inescapável dos calhares
não se sabe quando
inevitavelmente dezassete e dezoito
Um e um mais um
Um e eu mais tu etcetera
bebe do copoEtcetera
Tristeza de vinho me deste tu
O que é complicado
é encontrar a tal raiz de constância
no meio de toda a interminável constelação de números
Números e fraccionamentos de números
e fraccionamentos de fraccionamentos de números
a aritmética bandalhice
que alguém um dia começou
e que nós tentamos acabar
Sem efeito
sem sucesso
Sem desistência
foi por isso que eu
numericamente imbecil
mentiroso
gente de bem
construí a máquina de nós os dois
O cérebro artificial mais poderoso de todo o mundo
sinapses electrónicas impressionantes
nanossegundos e PÁS
resultados
bebe do coponanossegundos e p á s resultados é como quem diz
é se quiserem treta neste caso
Porque meti-lhe os dados do meu problema
o vinho que me deste
E a máquina engasgou-se ao início
ao início tropeçou-se ali toda de solavancos
abanou-se toda
e eu estava a ver que desolação que a máquina se tinha finado
os meus sofisticados pêsames artificiosos
e mais não sei o quê
Mas afinal não
Percebeu afinal o que eu queria
e calou-se
bebe do copo mas não há que beber no copo
reenche o copo
bebe do copoo mais complicado
julgo eu
terá sido programar a máquina com a noção de acaso
Coisas estúpidas as máquinas
inflexíveis
teimosas de ter de haver sempre razões para tudo
e sabemos todos que não há razões para tudo
Uma nuvem às vezes acumula-se no céu e não fui eu
juro que não fui eu
Perguntem-me quem foi
perguntem-me que outro alguém sabe fazer nuvens
E eu não sei
não sei responder
bebe do copoàs tantas até fui eu
às tantas até fui eu e nem reparei
pode acontecer
É precisamente isso que a máquina insistia
aparafusada anormal
em não entender
Que há coisas que podem acontecer
ninguém sabe como
Absurdismo completo eu admito
Ninguém sabe como
toda a gente trinca as línguas fora de não saber
porque ninguém suporta não saber
mas não é por isso que sabe
Insuportável incógnita
Mas podem acontecer
bebe do copoO trambolho continua calado
riAinda não sabe
Ainda não sabe
a raiz de constância de nós
ainda não sabe que calhar é que nós somos
eu e tu
E se há coisa que diz a lei da permutabilidade circular
Ou lei dos opostos opostos
ou contrários distantes
ou dois lados do mundo como o conhecemos
É que pode ser preciso o resto do tempo
e por resto do tempo perceba-se as forças que me restam
para encontrar uma matriz divisional entre dois números x e y
dado que às vezes até os calhares são um acaso
E logo
calhar elevado a calhar
hipótese muito exponencialmente hipotética
E logo nós
bebe do copoMerda para o vinho que me deste
leva-o
quando cá vieres
Se cá vieres
Eu não o quero aqui sem tu aqui
sem tu aqui
como queríamos demonstrar
bebe do copocomo queríamos demonstrar
desenha desenhos no chãocomo queríamos demonstrar
deixa cair o copo
parte-seF I M